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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Economia Globalizada

eu tenho um UrubUno 2006 preto. O parachoque é feio, e custa 130 reais.

 

OBS: imagem ilustrativa, esse não é meu carro

Então eu vi essa coisa linda.


Então eu fui no Site de leilão de peças novas e usadas pra saber quanto custa. Advinha? Só o plástico, mais nada. Não, você errou. Chuta mais alto. Não, errou de novo, mais alto. Desiste? Então chora:

R$ 1500,00 mais 230 de frete.

Porque? Não, sério, porque? Porque a FIAT Brasil consegue fabricar e vender um parachoque por 130 e a SUBARU Malasya fabrica e vende um parachoque também feito de plástico mas custando 12 vezes mais caro? Como isso é possível?

 - " Mas Danghetti, o uno é um carro popular baratinho, o Subaru é de luxo, e custa caro."

OK,, eu não sou criança, eu sei que um relógio chinês custa 20 reais e um rolex custa 5000 dólares, mas porque estamos agregando valor estético, apesar dos dois objetos fazerem a mesma função. E eu já ouvi uma conversa que o rolex nunca atrasa e o chinês tem que acertar a hora todo ano. Cara, sinceramente, eu aposto que sua vida não é tão emocionante assim pra você precisar marcar o tempo com precisão de milésimos de segundo.

Mas um parachoque é uma peça de plástico que tem somente duas funções: Desviar o ar aerodinamicamente e se deformar absorvendo a energia da batida. O valor estético nesse caso está nos olhos de quem vê, não deveria existir valor agregado nesse caso. Então eu pensei :" Alguém está roubando muito dinheiro nessa história." Vamos investigar a bolsa de valores.

Subaru
Número de ações no mercado: 26.150.000
Valor unitário: 480 yenes japoneses
dividendo: 7,5

FIAT
Número de ações: 1.210.000.000
Valor unitário : 11 Euros
dividendo 0

Sou ignorante em economia, mas posso deduzir pelos números que a FIAT, também dona das marcas Ford, Chrysler, Dodge, Ferrari, Jaguar entre outras, é uma empresa muito maior e com muito mais recursos do que a humilde e 100% japonesa Subaru. Mas isso não está invertido, quero dizer, a empresa menor não deveria fazer um preço melhor para sobreviver? Não, essa impressão está errada.

Existe uma filosofia de pensamento na economia que se resume a seguinte frase:

 - "Qual é o máximo valor que a empresa pode cobrar do cliente e que mesmo reclamando ele ainda assim pague o preço?"

Por que o big mac custa enormes 21 reais, sendo que um prato de comida comercial completo (arroz feijão, salada, carne a escolha entre peixe, frango, vaca ou porco, batata frita e refrigerante) custa apenas 16 reais? Porque as pessoas pagam. Vamos ser sinceros, e por favor Não me processem, mas a qualidade dos ingredientes usados em fast food são horríveis, não tem valor nutritivo nenhum. Mas são gostosos, porque basicamente o que o corpo humano precisa para funcionar é gordura, açúcar, um pouco de proteína e vitaminas, fibras são boas mas também opcionais.

Então qual é o máximo valor que você pagaria no Uno? O meu custou 13 mil. E apesar de amar meu carro, foi caro, mas comprei. Quem compra um Subaru pensa exatamente a mesma coisa. Paguei 100 mil no meu carro mas eu amo ele. Pensando dessa forma, o caro e o barato ficam relativos. Os 130 reais do meu parachoque tem o mesmo impacto na carteira do que os 1500 terão no dono do Subaru, concorda comigo?

E se o mundo fosse um lugar justo e honesto? Como seria? Primeiro, não existiriam mais Unos milles, infelizmente. Eu sou apaixonado por esse modelo, é o segundo que eu tenho, e espero que quando chegar a hora de aposentá-lo, daqui uns 20 anos, eu ainda consiga comprar outro Uno, mesmo que seja esse novo pequenininho. Mas se o mundo fosse honesto, a maioria dos carros custariam mais ou menos o mesmo preço, porque as peças são feitas mais ou menos dos mesmos materiais. O mesmo painel de plástico do meu carro usa plástico preto tipo ABS reciclável que o Subaru, que o seu carro, que a maioria dos carros usam plástico no painel. O aço da carroceria é o mesmo. O alumínio do motor é o mesmo. Outros fatores estão envolvidos, por exemplo a mão-de-obra Brasileira é uma das mais baratas do mundo, um operário médio ganha 800 dólares mensais. O mesmo operário mas nos EUA ganha 2000 dólares e o europeu 3000 dólares. Mas ainda estamos falando de honestidade, então vamos discutir o salário.

O salário não é um presente do empresário, não é uma bênção de Deus. O salário é cuidadosamente pensado no menor valor possível capaz de igualar o custo de vida da região. O Brasil é um país barato, apesar da quantidade absurda de impostos pagos. Temos um mercado relativamente estável, com poucas importações consideradas fundamentais para a nossa existência. Outros lugares não tem tanta sorte. O EUA e a Europa tem uma coisa em comum. Eles não gostam de estrangeiros. E daí? Daí que o Francês não bebe suco de laranja brasileiro se estiver escrito na caixa product eau Brésil. O Americano, que é o maior consumidor de suco de laranja Brasileiro, não sabe disso. Ele acha que aquele suco vem do méxico ou na maioria das vezes, ele não quer saber e tem raiva de quem sabe.

A Rússia, que ultimamente brigou com a Europa, mudou sua importação de carne e agora compra só do Brasil. Eles odiaram isso, porque nós temos a fama de sermos um país sujo, sem higiene. A Europa também odiou isso porque perdeu um cliente importante, e o dinheiro que iria para eles veio para cá. O Governo Brasileiro adorou isso, porque o imposto de exportação é uma grande fonte de renda para os funcionários públicos, já que eles não trabalham e dependem de verbas públicas. Mas e nós, o povo? Eu odiei, o kilo do patinho que eu usava para comer bifes saltou de 12 reais para 22 em menos de três meses. A rússia está comendo a minha carne, meu custo de vida aumentou, mas o salário se arrasta a passos de tartaruga seguindo a inflação totalmente artificial liberada pelo nosso governo populista. Se a carne aumentou 85%, e o salário só aumenta 8% ao ano, eu precisarei de 10 anos comendo repolho e frango até poder comer carne novamente. Skavurska.

Voltando ao assunto inicial. Se o carro não tivesse nenhum valor estético agregado, todos os carros seriam um Gurgel, o mais feio e funcional possível. Mas a vida não é assim, nós como consumidores temos um valor abstrato na cabeça de quanto custa a beleza. Uma Ferrari tem muita beleza agregada, já o VW Polo é considerado por uma grande revista de automóveis Australiana como o carro mais "sem graça" do mundo. Óbviamente eles não conhecem o meu carro, kkkkk.

Pense bem, meu amigo, antes de comprar algo. Quanto vale seu dinheiro? Isso custa tudo isso mesmo? Esse dinheiro está sendo bem investido, ou eu estou desperdiçando um recurso valioso? Abraço a todos, fiquem com Deus.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Fantasmas de Marte - Capítulo 7

SEGREDOS

No bar azul, palco de danças e musicais, as meninas aproveitam um espetáculo raro na vida de um camponês.

 - Anuket, vamos no banheiro?

 - De novo? Chega de beber mosto, Anúbis. Aqui eles fazem puro, fica muito doce.

 - Por isso mesmo. Em casa o mosto é meio salgado por causa da água do rio. Esse é melhor do que eu tinha imaginado. Mas ele desce direto, e me deixa ansiosa. Vamos no banheiro e depois vamos achar alguma coisa pra fazer. Vamos!  - Anúbis agarra Anuket e entra no banheiro. Lá dentro, as meninas inocentes entram as duas no mesmo biombo e fecham a porta. Em seguida entram duas mulheres, conversando alto, um pouco embriagadas, se olham no espelho para pentear os cabelos. Anuket só consegue ver as suas botas de crocodilo, semelhantes as botas de Bastet.

 - Então amiga, tá chegando mais um leilão aí. Hora de faturar alto.

 - Hora de faturar ponto. Quem fica com tudo é Dona Sekhmet. Nós só recebemos presentinhos.

 - Você é uma fresca que só sabe reclamar. Nós somos guardas de uma força respeitada e temida. Nós somos privilegiadas. Ás vezes, só às vezes, eu tenho um pouco de pena das meninas que nós vendemos.

- Ah, cala a boca, sua bêbada. Nosso trabalho é o melhor! Todo mundo sai ganhando. O nobre ganha uma escrava. Dona Sekhmet ganha riqueza e poder. As servas ganham a vida luxuosa do palácio aos pés dos deuses, ao invés de ficar cortando cevada e ordenhando cabra o dia todo. E nós, ganhamos presentes. HAHAHA

- Pera aí? Você não estava reclamando dos presentes agora pouco?

 - Eu não, sua louca! Eu adoro ganhar presente. Mas Dona Sekhmet tem potes e mais potes de mel, e ela só me deu uma colherinha. E quando eu pedi o pote ela me olhou como se eu fosse uma cadela faminta.

 - Você é uma cadela faminta, por isso eu gosto de você. Eu odeio gatos. Hhahahaa

As duas supostas guardas saíram rindo e cambaleando. Anúbis, como sempre, olhar parado, boca aberta e sem entender nada. Anuket por outro lado, de olhar parado, boca aberta, paralisada de medo, tentava organizar sua mente para fazer algum sentido daquilo tudo. "Então é verdade. Não só os nobres possuem as servas do festival, mas tem até uma organização de mulheres que facilitam o trabalho." concluiu a brilhante jovem. Uma imagem mental começa a se fazer de Dona Sekhmet, uma mulher poderosa e sem escrúpulos, que venderia a própria alma a Hefesto se este fizesse um recibo.

O pânico começa a lhe dominar a imaginação, ela vê em sua mente uma jovem acorrentada pelos pés sendo espancada por um nobre risonho, assim como foi com Bastet. Isso não poderia acontecer, não com ela, não com a esposa de um mensageiro real, e portadora de passaporte. O Passaporte! Suas pequenas mãos procuram rapidamente segurar o medalhão em busca de um alívio temporário. Mas e como ficaria no leilão? As guardas com certeza lhe tirariam o passaporte, como qualquer outra serva comum. Talvez, se houvesse um lugar seguro para guardar o passaporte, e no momento certo ele aparecesse, tudo ficaria bem. Mas onde? E em quem confiar? Talvez houvesse alguém alí de bom coração, talvez Bastet? Não, mesmo Bastet sendo uma ex-escrava, ela não trairia a confiança de sua mestra. "Preciso conhecer mais pessoas, talvez alguém me ajude mesmo sem saber." pensou ela.

Sem conhecer os mecanismos legais do leilão, seu plano fracassaria. Primeiro, era preciso encontrar um presente digno de Dona Sekhmet, assim lhe seria permitido conversar com ela. Segundo, deveria fazer amizade com os inimigos de Dona Sekhmet, alguém que estivesse descontente, assim como a guarda sem mel. Então, Anuket esconderia o passaporte dentro de alguma coisa, e esse objeto deveria ser entregue no momento preciso do leilão, surpreendendo a todos, e libertando-a das obrigações legais. Não seria fácil. Tudo deveria funcionar perfeitamente, não tem espaço para planos B aqui. Talvez, talvez os homens desse lugar pudessem servir para alguma coisa além de beber e brigar. Ela sabia que era linda, e sabia que poderia usar de sedução a seu favor, escapando no último minuto da luxúria alheia. A possibilidade de sucesso lhe devolve a vida aos seus lindos olhos cor de caramelo, e ela sorri por um momento, até ser lembrada de onde estava.

 - Pfiiiiii.

 - AH ANÚBIS ! PELO AMOR DE RÁ, VOCÊ COMEU UM RATO MORTO DO LIXO SECO AO SOL?

 - Me escapuliu. Foi sem querer querendo!

 - Vamos sair daqui. Temos que encontrar mais pessoas. Alguém aqui nesse lugar sabe me explicar o que está acontecendo.


REVELAÇÕES

 - Doutora Perséfone, Sr. Hades está acordando. Eu vou tentar conversar com ele mas acho que vai ser difícil acalmá-lo. Entenda, talvez ele desconte a raiva em você. Seja forte.

 - Eu entendo Comandante. Eu devo pedir desculpas a ele também. No fundo do coração eu sempre soube que isso aconteceria, mas não fiz nada para impedir.

 - Bom, isso é bom. Se ele te ver como vítima da situação também, será mais fácil. Lembre-se de uma coisa: Ele é filho de Hera, a vingança é necessária para restaurar a honra deles, MAS, eu PRECISO que esta missão funcione direito, e preciso de todos fazendo o seu trabalho. Faça ele entender isso.

 - Eu quero o Sr. Hypnossono comigo.

 - Não acho boa idéia agora. É preciso uma mente aberta para aceitar novas verdades, e a dor da traição atrapalha o raciocínio. Vamos devagar.

Comandante e Perséfone seguem da estufa para o consultório, passando pelo Capitão no corredor.

 - Capitão. Como vai?

 - Todos os sistemas operacionais, Senhor. - Bate o pé no chão e estufa o peito, olhando para frente.

 - Haha, não Capitão, eu não estou de serviço agora. Eu quis dizer como vai o senhor? Podemos jantar juntos e conversar mais tarde?

 - Si - sim, senhor. Como quiser. - O Capitão tenta esconder o nervosismo. "Será que o filhinho do presidente está sabendo do meu plano? Não pode ser, ele não sabe de nada. Será?" pensa o capitão.

Já na enfermaria, Hades acorda tentando tirar a sonda da garganta. Perséfone rapidamente aplica a anestesia spray e puxa o longo tubo com delicadeza. Comandante se senta ao lado da cama e retira os fios elétricos do monitor, desligando os milhares de alarmes ensurdecedores.

 - Senhor Plutão von Hades, que bom te ver de novo.

 - Por favor, Comandante. Eu gostaria de não mais usar meu nome latino. Meu verdadeiro nome é Muhhamad Ali. Eu me lembro do alarme de incêndio, depois me lembro de uma sombra passando por uma porta de luz.

 - Provavelmente era eu. Veja meus ouvidos. Doutora Perséfone teve de restaurar meus tímpanos, e as suas orelhas também, infelizmente elas ficaram pretas e foram substituídas por essas sintéticas. Doutora, eu acho que você errou nas medidas, essas são menores. haha.

 - Pára, Comandante. Estão perfeitas.

 - Então acho que devo ser grato ao senhor por ainda estar vivo, comandante. Obrigado.

 - Não me agradeça ainda, Sr. Ali. Temos de acertar as contas para não sobrar troco, se é que o Senhor me entende.

Nesse momento, Muhhamad olha nos olhos de Perséfone que não consegue segurar as lágrimas, e tenta estender a mão fraca para tocá-la no rosto. Perséfone reconhece o esforço e completa o gesto, levando seu rosto até as mãos geladas. Ele fica alguns minutos em contemplação, pensando. O Comandante aguarda pacientemente. Então, finalmente:

 - Comandante. Eu nasci próximo ao lugar da sua história, onde o senhor ganhou sua pedra. Eu conheço aquela gente, mas tive a graça de Hera de sair daquele inferno muito jovem, e absorvi muito pouca coisa daquela loucura. Meus pais foram mortos fugindo da guerra para me dar um futuro melhor. Eu sempre fiz a minha parte, mas a guerra sempre encontra um maneira de me achar, até aqui no espaço. Qualquer um no meu lugar diria que esta seria uma boa hora para parar de fugir e dar o troco com toda a vingança que me é de direito, não concorda?

 - Sim, mas...

 - Mas, permita-me continuar. Eu também tenho uma história para contar a vocês dois. Eu tinha um amigo, também fugitivo da guerra. O nome dele era Osama. Ele era muito legal, divertido alegre. E a família dele deixou muito dinheiro. Nós sempre andávamos juntos, sendo adolescentes normais. Um dia, nós estávamos em um bar, assistindo a televisão, e vimos uma reportagem sobre a capital financeira do mundo, a cidade mais rica, Athenas. Quando a câmera mostrou seus prédios mais altos, símbolo de seu poder político e econômico, Osama riu e fez um barulho com a boca:" BUM". Eu não tinha entendido na hora, então eu ri também. Dias depois, ele foi ficando cada vez mais sério e preocupado, conversando com umas pessoas que eu nunca tinha visto na vida, e me deixando de fora das reuniões secretas. Aquilo foi ficando chato, e um dia perguntei o que era aquilo tudo. Ele disse: "Os infiéis vivem uma vida no paraíso construído sobre o sangue e as lágrimas do cadáver do nosso povo. Eu quero lembrá-los disso. ". Dias depois houve o atentado a Athenas, e o resto vocês já sabem. Mas a parte que mais me perturbou é que meu amigo não queria mudar o mundo, e não queria fazer o bem a ninguém. A única coisa que ele queria era vingança, e mais nada. Só empatar o placar, como se a vida fosse sómente um jogo. Eu me decidi nesse dia a não jogar esse jogo. Vingança só gera mais vingança. A verdadeira vitória está em fazer um bem tão grande ao seu inimigo que ele não tem como lhe retribuir. Você fez isso por mim, comandante, salvou minha vida e eu não posso lhe retribuir. Você também Jade, depois que te conheci, sinto que você me salvou de uma vida de guerra e vingança. Eu só penso em maneiras de lhe retribuir todos os bons sentimentos que você me dá.

 - Com licença, será que eu posso entrar? Espero não estar incomodando? - diz Doutor Hypnossono entrando pelo consultório de maneria discreta. Sua presença e seu sorriso sempre iluminam o ambiente.

 - Por favor Doutor, entre. Eu já estava de saída, (tosse).  - Diz alegre o convalescido, causando risos em todos.

 - Eu trouxe um presente desejando melhoras. Uma caixa de bombom, e um livrinho com frases de sabedoria, que servem para animar o espírito.

 - Que fofo Doutor! Por favor, leia uma frase para nós. - Perséfone se anima, pois era a intenção dela desde o começo que Muhhamad e Hypnossono conversassem. A esperança da moça divida entre o amante e o pai era que através dos ensinamentos neutros do doutor oráculo, os três pudessem chegar em um consenso de paz e convivência em harmonia.

 - " A rigor, sombra ou luz são estados de tua própria alma. Alegria ou tristeza emergem do teu interior. Toda criatura encerra consigo um poder transformador. O teu sorriso é luz que acendes na face, iluminando a Vida. Alivia o teu coração do peso de toda a mágoa. Experimenta sentir contigo a leveza do perdão. "

 - " Não vibres negativamente contra os teus semelhantes. Nem te regozijes com o fracasso de teus desafetos. O coração mais endurecido não resiste a um gesto de ternura. Aproxima-te dos que se distanciam de ti, sem colaborares para que a distância se faça ainda maior. Se da parte dos outros pode haver descaso, da tua pode existir indiferença. Muitos tem inimigos, porque fazem questão de tê-los." ( Dias Melhores - Carlos A. Baccelli / irmão José - Editora Leepp)

As sábias e surpreendentemente apropriadas palavras provocaram um ataque de risos e choro em Perséfone, que agarra Muhhamad pelo braço meio desajeitada, provocando dores no coitado. Comandante não fica surpreso, afinal, quem mais poderia aparecer sem ser chamado e dizer as palavras certas na hora certa? Tão discretamente quanto apareceu, o Doutor se vai deixando seus presentes, o livrinho e o ambiente leve e alegre. Mas tem uma coisa fora do lugar aqui.

 - Quem é Jade?

 - O que? - Pergunta Muhhamad sem entender.

 - Na sua história, você estava falando com Perséfone mas disse Jade. Não adianta desmentir, ela ouviu também.

 - Ah, não começa com fuxico não, Comandante. Seu fofoqueiro. Jade sou eu mesma, é o nome sírico para "moça bonita de olhos verdes".

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Fantasmas de Marte - Capítulo 6

NÃO VEJO PROBLEMA

Depois do incidente, Anuket e Anúbis seguiram Bastet até uma pensão conhecida da gangue e passaram a noite. Ali as meninas estariam seguras, mas sob forte vigilância até o dia do leilão, após o festival. Anuket exibia o passaporte como foi instruída por seu marido, que era uma espécie de medalha de bronze negro, com o selo real e o nome do dono do escravo. Nesse caso, o nome era Anuket, um hieroglifo de serpente simbolizava a posse, e novamente o nome Anuket. Como identificação, uma tatuagem com seu nome era feito em toda criança de 1 ano na batata da perna direita. A segurança que Anuket sentia era justificada, pois se um guarda verificasse que a tatuagem na perna não estava de acordo com a medalha, os crocodilos jantariam como reis. Anúbis não estava preocupada, afinal, ela se julgava órfã de sua mãe falecida e seu pai biológico, um homem simples e amável, embora seu amor fosse direcionado às esposas infiéis de seus vizinhos, nunca a seus filhos. Sua casa parecia um orfanato, brigas e disputas pelo poder eram comuns, e Anúbis não teria dificuldade em trocar um pelo outro. 

 - Esse é seu quarto, cama, lavatório, baú, mesa e cadeira. O toque de recolher é às 8:00, para uma menina como você. Pode sair quando quiser, mas nunca suba nos andares superiores, e nunca converse com estranhos, como aquele fazedor de bonecas. Tem muitos como ele por aqui. Eu não vou estar por perto o tempo todo, mas qualquer pessoa que use uma pena de pavão no brinco é minha amiga, pode confiar. Toma aqui, sabe usar isso? - Bastet põe a pesada bota de couro de crocodilo na cadeira, fazendo um barulho alto e assustando a menina. Levantando a sua túnica devagar, a surpresa da menina vira terror, ao ver as diversas cicatrizes na perna da bela moça. Um anel marcado em seu tornozelo denuncia que uma vez esteve acorrentada a grilhões de ferro muito apertados. Em sua pele macia, diversos cortes e marcas estranhas, em forma de gota, queimaduras antigas. Da coxa, Bastet desamarra uma bainha de couro cinza e uma pequena adaga, a lâmina era uma reserva em casos de emergência. A Lâmina sem ferrugem tinhas algumas manchas de humidade, prova de seu uso.

 - Não. Eu fui treinada em costura. - Por motivos óbvios, os camponeses tinham apenas 1 ano de estudo intelectual. O resto de suas vidas era dedicado à aprender uma profissão que servisse às necessidades dos nobres. Os mais comuns eram cozinha, costura e metalurgia. Os Pedreiros eram semi-nobres, considerada uma profissão divina, pela importância que as pedras tinham naquela cultura.

 - É muito fácil. O mais importante é que você nunca se esqueça disso: "Se você hesitar um segundo, você morre e o outro cara vive. A escolha é simples". Vou lhe ensinar os três movimentos básicos. Segure a adaga com a ponta para cima , cotovelo junto ao corpo, lâmina paralela ao piso. Faça a estocada e grite, mostre os dentes e olhe nos olhos. Antes de puxar a lâmina para fora da barriga da múmia, gire a lâmina, assim ele não terá chance. Agora, segure a lâmina para baixo, se a múmia tiver uma lâmina também, espere ele atacar primeiro, pule para trás, gire e esfregue a sua lâmina no braço dele, assim ele vai soltar a lâmina dele. O terceiro é a finalização, com a múmia ferido ou sentado, levante a lâmina e enterre na cabeça dele. Cuidado, não vire a lâmina porque ela quebra. Não se preocupe, os guardas não vão lhe prender, eles não ligam.

A pequena Anuket experimentava um sentimento novo, confuso. A menina estava paralisada, em êxtase, pela admiração que tinha por aquela forte e bela mulher. A cada movimento ensaiado, o perfume de Bastet se espalhava pelo quarto, suas jóias brilhavam na luz da pequena vela, seu cabelo voava pelo ar, se desarrumava e então voltava a pender atrás da cabeça, obediente. Tão independente, tão segura, tão sabida. Antes de ir embora, finalmente as palavras saltam em desespero:

 - Eu vou te ver de novo?

  - Pode apostar. - Bastet sentiu o calor e admiração da pobre inocente, e sentiu mais uma coisa, também novidade para a sofrida guerreira. Sentiu vontade de sorrir. Foi muito estranho, a sensação era a que seu rosto iria trincar e se partir em vários pedaços, como uma boneca de louça dos nobres. Mas não podia se deixar levar pelas emoções, aquilo era trabalho.

No quarto ao lado, Anúbis pulava na cama de palha de porta aberta, e aquilo irritou Bastet. - PARA COM ISSO! - A menina caiu sentada, olhando para o chão. Foi a primeira vez em sua vida que alguém lhe deu uma ordem. Surge então no corredor Anuket, que seguia o cheiro de sua benfeitora. Ao ver Anúbis sentada, teve uma idéia.

 - Anúbis, Bastet disse que podemos sair junto com uma mulher de brinco de pavão. Vamos até o bar assistir a dança.

 - Eu tenho sede, o ar aqui é parado e fumacento. Eu sinto falta do sol. Será que falta muito para o festival?

 - O que deu em você? Já quer voltar? Ainda tem muito pra aprender aqui. Agora nós podemos sair em segurança, não tem problema. - Anúbis não conseguiu dormir à noite, aquele homem mau e a adaga verde lhe deram pesadelos. Mas Anuket tinha razão, não era hora de desistir, o pior já passou.

Descendo as escadas, imediatamente a mulher de brinco de pavão segura Anúbis pelo braço.
 - Onde vocês vão?
 - Queremos ver a dança.
 - Vocês perceberam que as lanternas dos bares tem papiros coloridos? Vocês podem ir nos bares amarelos e azuis. Nunca nos vermelhos. Somente homens vão nos bares vermelhos, e eu não quero ter que salvar vocês do bar vermelho, entenderam bem?
 - Amarelos e azuis. Entendemos.

O andar térreo da pensão era um bar amarelo, então Anuket começa a tirar conclusões do que vê. Era um bar calmo, onde as pessoas conversavam enquanto comiam. A música vinha do outro lado da rua, o bar azul. Ao fim da rua, o bar vermelho com dois homens grandes na porta, um arqueiro e outro com a longa espada curva presa na cintura e um pequeno escudo redondo no antebraço esquerdo. Os brincos de pena de pavão estavam por toda parte, parece que aquela rua era segura para explorar. Anúbis, como sempre, não entendeu nada.

 - Que bar chato. Mas eu vou pedir água.  - A moça atrás das meninas estala os dedos e um pequeno menino magro, de olhar parado e sem vida, traz um copo de barro seco ao sol com água. A menina bobinha se espanta com a rapidez, e começa a rir. Anuket começa a juntar os pedaços do quebra-cabeça. A intenção daquele salvamento de Bastet não estava claro, ainda. Será que as meninas eram hóspedes da gangue do pavão, ou será que aquela seria a prisão mais confortável da cidade? Anúbis se diverte com a atenção: - Você viu Anuket? Eu pedi água e o menino me trouxe imediatamente. Isso é tão legal!

 - Você pode pedir comida e bebida à vontade, Dona Sekhmet vai cuidar bem de vocês até o festival. Por isso, tomem o cuidado de não sair dessa rua, voltem para o toque de recolher, e quando for o dia do festival, nós levaremos vocês lá e vamos te proteger dos nobres também. Já foi tudo arranjado, fiquem tranquilas. Esse passaporte é uma ofensa para alguns de nós, menina, esconda dentro da túnica, para seu bem.

 - Desculpa. - Anuket começa a montar a imagem na cabeça. É muita informação de uma vez só, ela precisaria de mais tempo para assar o pão, mas seus dedinhos inteligentes já lambiam a tigela. As marcas nas pernas de Bastet eram castigos sofridos por escravas desobedientes. Dona Sekhmet havia liberto Bastet, e era dona da rua toda, e sua gangue de pavões fazia a proteção. Mas muitas perguntas ainda não tinham resposta, por exemplo quem é Dona Sekhmet, e o que ela ganha com isso? Anuket podia ser apenas uma menina camponesa, mas se seu Pai lhe ensinou alguma coisa na vida, é que nada é de graça. Quando ela queria um favor do velho bêbado, a conversa deveria começar com uma oferta de paz, naquele caso, um copo gelado da cerveja do fundo do barril, a parte menos aguada, um pouco acima do lodo de lama do rio e fermento de levedura. - Por favor, eu queria conversar com Dona Sekhmet e agradecer a gentileza.

Como prova a risada histérica da jovem guarda, a oferta foi muito preciptada. E além disso, Anuket não tinha nenhum presente para a gorda rica, pelo menos, nada além de si mesma. Ela então pega Anúbis pelo braço e atravessa a rua até o bar azul. Ali sim era lugar para as jovens viverem um pouco. Muita música, muita bebida, o palco redondo no centro era visível a todos, que exibia danças e peças de teatro 20h por dia. Naquela sociedade de poucas morais, uma era respeitada desde tempos pré-históricos. Adultos bebiam cerveja, mas as crianças somente poderiam beber mosto. Mosto é um líquido muito doce, parte intermediária do processo de fabricação da cerveja, antes da fermentação. Era muito nutritivo, e as crianças adoravam. "Assim não seremos alvo da fúria de Rá", diziam os anciãos, que não havia nada mais desumano e revoltante aos olhos dos deuses do que ver uma criança embriagada.

ATHENAS, TEMOS UM PROBLEMA

 - Comandante ! Comandante ! ACORDA! (tapa) - Perséfone desesperada, dá um tapa na cara do comandante que salta da cama em suas roupas de baixo, procurando na cintura uma arma que deveria estar ali, se seu pijama fosse um uniforme militar.

 - Pelo amor de Zeus mulher, o que é isso?

 - Plutão. Plutão von Hades. Venha rápido, eu não sei o que fazer. - O choro e a fala apavorada foram prova suficiente que havia acontecido um desastre. De um salto, esquecendo-se de vestir as calças, Comandante Júpiter agarra seu revólver e corre escotilha a fora na direção apontada por Perséfone. A poucos metros de distância, seguindo o corredor circular estavam o Capitão e Sr. Baco, chutando e arranhando a escotilha do geólogo. Dr Hypnossono ficou na porta de seus aposentos, assustado sem saber o que fazer.

 - O que foi? Capitão, que alarme é esse?

 - Comandante, rápido. A 2 minutos atrás recebi um alerta de falha ambiental no quarto do Sr. Hades, perda de pressão e temperatura. Parece uma falha de software. Eu desliguei o computador e Sr. baco está tentando reiniciar o sistema.

 - Comandante, parece que um sensor defeituoso detectou um incêndio no quarto do Sr. Plutão, e acionou o sistema de purgação. Toda a atmosfera do quarto foi ventilada para o espaço. Não podemos entrar antes de equalizar a pressão. - Sr. Baco abriu o painel da porta e acessou o painel de manutenção do computador. O comandante não tinha mais tempo a perder, devia agir rápido e preciso, no estilo militar.

 - Todos prestem atenção. Eu quero todos dentro dos seus quartos. Perséfone, vai ver se seu pai está bem. Sr. Baco, de volta para a cabine, quando eu der o sinal, reverta o sinal de incêndio e pressurize a nave. Capitão, conto com o senhor para me pegar quando eu abrir a escotilha. AGORA!

- 3 minutos comandante. - avisa Perséfone entrando no quarto de seu pai, que aparenta estar roncando.

Assim que o barulho da escotilha da cabine denuncia seu fechamento hermético, o comandante dá um tiro no sensor de incêndio da nave, imediatamente acionando o sistema de purgamento atmosférico nos decks centrais, onde fica o reator. O Ar faz um barulho alto, um furacão circular tenta assoprar o corajoso militar, que nesse momento só se preocupa em proteger sua roupa de baixo, "maldita hora de ser pego sem calças", pensa ele. Quando a pressão atmosférica se aproxima do vácuo, seus tímpanos estouram em uma dor alucinante, que quase lhe faz desmaiar. Com muito esforço, o comandante segura um pequeno sopro de ar, e finalmente o painel muda de vermelho para verde, destrancando a escotilha. Rapidamente o militar identifica o gelado Dr. Plutão, inconsciente no chão, e sinaliza para a câmera da cabine para que Sr. Baco repressurize toda a nave. Imediatamente o ruído de ar enche o ambiente, mas não a tempo de evitar que o comandante perca os sentidos. Apesar de ter prendido o ar, ele acaba escapando pelos sinos que ligam o nariz aos olhos.

Momentos mais tarde o Comandante acorda com Perséfone de novo:
 - A não, esse sonho de novo não. Ainda estou dolorido dos tapas passados. O que aconteceu com a minha voz? Estou meio surdo?

- Vai passar em 1 semana, meu herói. - ganha um beijo na testa. - Não foi sonho, o senhor arriscou a sua vida para salvar o meu amigo, e conseguiu. Ele vai viver. A exposição prolongada ao frio causou queimaduras, mas ao mesmo tempo preservou seu corpo contra os danos do vácuo. Eu deixei ele em coma induzido até baixar a pressão no cérebro. Não teve tempo suficiente para formar cristais de gelo, graças a Hércules, então suas células puderam descongelar corretamente. O Capitão e o Sr. Baco von Dionísio estão analisando o problema, enquanto isso, todos nós deveremos dormir na estufa, alternando turnos.

 - Muito bem. Bem. Alô? testando. testando. 1, 2, 3, som. som.  - Enquanto ele esteve inconsciente, a mente do comandante juntava os pedaços. Uma falha catastrófica, um alarme ensurdecedor, Perséfone distribuindo tapas, e um só homem não estava lá. Dormindo? Impossível.  - Perséfone, eu sinto muito, traga aqui o Capitão e seu Pai. Teremos uma conversa séria.

 - Si - sim senhor. Eu entendo. - Perséfone não era telepata, mas já sabia. Finalmente aconteceu. "Pelos deuses, pai, o que você fez? Pra quê", pensa ela, segurando as lágrimas. O Doutor também sabia, que cedo ou tarde, seria descoberto. O plano B era ainda mais óbvio que a tentativa de homicídio, embora só agora o Capitão tenha percebido. "Ainda não é a hora certa, se for para o olho se beneficiar dessa missão, preciso acabar com isso." pensou o militar, sacando Dona Rita, sua avó querida, e carregando-a com munição anti-pessoal de ponta oca.

 Ambos chegam ao mesmo tempo ao laboratório do Doutor, Perséfone ao ver a arma não consegue mais conter o choro. Capitão, que não era sem coração, pede silêncio a moça, para que não estrague a tocaia. Ele mostra o botão de choque da arma, que é capaz de paralisar todos os músculos de uma pessoa, sem matá-lo. A seguir, ele abre o painel de manutenção e pede acesso às câmeras internas, para planejar seu próximo movimento. Para sua surpresa, estavam offline, o doutor deve ter arrancado. Ele teria de entrar rápido e tomar uma atitude em uma fração de segundo. Mas antes que pudesse abrir a porta, Perséfone tem uma idéia. Ela pede ao capitão uma bateria de choque, que de improviso pode ser usada sem a arma, mas teria o efeito de imobilizar ambos, quem segura a bateria também. Esse risco era aceitável para qualquer filha de um maluco, mas não para o chefe de segurança.

O Capitão então acompanha a idéia, mas acha perigoso. Se a médica tiver um troço, quem vai cuidar da tripulação? Então ele pega uma bandeja de comida do refeitório. A Moça entende.
- Papai, sou eu, Perséfone. O Capitão foi dormir, o Comandante está desmaiado, então eu te trouxe seu jantar. Deixa eu entrar?

O blefe funciona, a escotilha se abre e o assustado doutor deixa sobre a mesa a adaga ritualística, em forma de serpente, com a qual pretendia acabar com seu sofrimento e diz:
 - Sangue de Hércules te cubra filha.

 Antes de qualquer reação, para o espanto de todos, o enorme braço do Capitão surge por detrás da moça e Dona Rita entrega seu beijo de boa noite. -Aos doze trabalhos, doutor. (zap).

 - Hoje e sempre, papai. - A moça abalada, suspira aliviada. Seu pai maluco ainda está vivo, apesar do canhão do monstruoso Capitão. Ele tenta esconder seu desapontamento, Dona Rita ainda guardaria seus segredinhos por mais algum tempo. Ambos levam o Doutor inconsciente até sua maca na enfermaria, e o Capitão ativa as amarras de emergência. O Comandante já está sentado, ainda com o turbante de faixas na cabeça, com um tufo de cabelo arrepiado saindo por cima. "Pareço um troll", pensa ao se olhar no espelho cirúrgico.

 - Acorda ele. - Perséfone injeta um líquido nas veias do seu pai, que acorda assustado. - Doutor, eu estou extremamente decepcionado com o senhor. Eu quero dizer, todos nós sacrificamos muito para que essa missão seja bem sucedida.

 - Sacrifício? Hahaha (risada maligna), o que você entende de sacrifício? Vocês não entendem, seus medíocres, bárbaros inferiores. Um filho de Hera contaminou minha filha, a filha de Hércules. É o fim, está tudo acabado. Isso tem que acabar aqui.

 - Exatamente. - para o espanto de todos, que olham atônitos para o Comandante. - É o fim. Acabou. Parabéns, doutor, agora estamos na mesma página. Seja bem vindo.

 - Mas, mas, o que? - Balbucia o confuso doutor.

 - Você não entendeu? O senhor mesmo me disse, lembra-se? Lá na Cabine. O Senhor me disse, os filhos de Hércules devem proteger sua pureza contra as forças do mal, que estão por toda parte. Eu achava que você estava se referindo ao senhor Plutão von Hades, mas agora eu sei. Nós, todos nós, éramos o mal, impuros, contaminados, perdidos não é mesmo. Bom, olhe-se no espelho doutor, e você verá o mal, um homem pequeno e perigoso, culpado de tentativa de homicídio e sabotagem de equipamento militar.

 - Não. NÃO. NÃO PODE SER! Filha, minha adaga, minha adaga!.

 - Não papai, você ainda não entendeu, ouça mais um pouco, estamos aqui para te ajudar, confie em mim. Eu sempre serei sua princesa.

 - Não Doutor - Completa o Comandante pegando na mão do confuso e assustado idoso -, você não vai fugir, não tem lugar nenhum nessa nave que você possa fugir. Encare feito homem, a verdade é uma só. Você morreu, como filho perfeito de Hércules. Eu te trouxe de volta a sua nova vida. Seja bem vindo à raça dos Bárbaros medíocres. Eu posso confiar em você?

O Doutor se contorce de dor, apesar de estar tudo bem com ele. É uma dor mental, que nenhum remédio físico é capaz de curar. A culpa, o ódio, a frustração, tudo ao mesmo tempo como um milhão de vozes ecoando em sua consciência. Finalmente um pensamento coerente:" Como pude errar tanto? Eu estava seguindo ao pé-da-letra as minhas escrituras sagradas. Minhas? MENTIRAS."

 - Comandante, agora eu entendo. Eu tentei tanto ser fiel às escrituras, e acabei interpretando tudo errado. Preciso de ajuda, de aconselhamento espiritual.

 - Não olhem pra mim. - Diz Baco, apesar de ninguém ter olhado.

 - Doutor, Eu conheço a pessoa ideal para esse serviço. Ele ainda não saiu muito de seu quarto, mas eu confio a minha alma nas mãos dele. Doutor Hipnossono von Emmanuel foi o médico que me curou do meu estresse pós traumático quando voltei da guerra. Ele vai te ajudar, ele entende de todas as religiões, e vai te abrir muitos caminhos. Sorte minha ele ser arqueólogo e antropólogo, senão eu não teria uma desculpa para trazê-lo também.

Pai e filha saem abraçados até a porta de Hypnossono. Ao tocar a campainha, a porta imediatamente se abre. A sala está um pouco escura, a meia luz. O cheiro de incenso e tabaco cria a atmosfera. Em um canto da sala, um pequeno altar e a estátua de um homem alto e magro, com uma túnica azul e branca, decorada de ouro, com seus pés cobertos com rosas. Seu rosto branco como a neve sorri, seus longos cabelos e barba bem aparada ardem em um vermelho vivo. As velas vacilam e tremulam, como se estivessem conversando entre si. O doutor está concentrado, e faz o gesto para se sentarem. O medo de pai e filha perturba a paz do ambiente.

 - Não tenham medo, eu estou aqui para ajudar. Eu posso provar, com uma pergunta. Eu teria todo esse trabalho se minha intenção fosse atrapalhar? Seria mais fácil sabotar a frágil nave de vocês, não? Mas não se preocupem, como eu disse, nós estamos aqui para ajudar, e você doutor, sabe melhor que ninguém que não se pode viver no vácuo do espaço.

 - Eu sei, estou muito envergonhado.

 - Que bom, que bom. Seu sentimento de arrependimento é o começo de sua cura espiritual. Saiba, doutor, que sua antiga religião não é de toda errada. Mas ela serviu ao seu propósito a muitos e muitos anos atrás, em uma época de barbaridades e poucos arrependimentos. Ser fiel às suas crenças não pode ser mais importante que ser fiel ao trabalho do Criador, não concorda comigo?

 - Quem é aquele homem na estátua?

 - Quem você acha que é? Adão? Hércules? Moisés? Hera? Hórus? A resposta é difícil de entender, então por enquanto aceite apenas que esse homem vive, sofre e morre para salvar a humanidade de seu caminho auto-destrutivo, onde quer que ela vá. Como o senhor bem sabe, o mesmo homem que é capaz de amar e construir, também é capaz de odiar e destruir. Deus, o Criador, o Senhor dos seus deuses menores, deu a vida e o livre arbítrio a todas as suas criaturas. Mas Deus não deu o conhecimento todo de uma vez. É da responsabilidade de todas as criaturas do Universo, viverem, aprenderem e descobrirem qual é o sentido da vida, o que significa amar, porque é tão importante respeitar e proteger a vida, mas também porque não é preciso temer a morte. Eu vou lhe contar uma história. Por favor ouça com atenção.

Nesse momento, o Capitão que tinha sido encarregado de ficar com um olho no gato e outro na sardinha, montava guarda fora dos aposentos do doutor religioso. "Esses malucos vão acabar me ferrando, não foi fácil apagar a tatuagem das costas da minha mão. Essa missão tem que dar certo, quando chegar a hora." pensou ele desconfiado, e então veio a idéia de dar uma espiadinha através do console de manutenção. O capitão acessa as imagens e pede o áudio pelo Closed Caption, para manter tudo discreto.

Continua doutor Hypnossono, embora sua voz de tempos em tempos se modifica em tonalidade e sotaque. Sua presença é estranha, como se não tivesse ninguém ali, e de repente parece que a sala está cheia de outras pessoas. - No início era o Verbo. Na sua Bíblia, como em muitas outras, está escrito que Deus fez o mundo em seis dias e descansou o sétimo. Um dia para vocês é uma revolução da Terra em volta de si mesma - O mais comum era chamar o planeta de Gaia. A denominação Terra era muito antiga, pouco usada.- Mas Deus não mora na Terra. Um dia para Deus contém infinitos dias humanos. Vocês meus pequeninos - sua voz muda para uma forma mais feminina - tão atarefados, sempre com pressa. Sua vida é tão curta, sim, mas nem por isso precisa de todo esse desespero. Veja, o corpo humano como vocês conhecem, sofreu muitas evoluções ao longo das eras, e também as almas de vocês. Comparado com antigamente, na época de Hércules que você tanto admira, os corpos eram mais grosseiros e rudes porque as almas daquelas pessoas eram grosseiras e pouco evoluídas. Está me acompanhando? - A voz volta ao normal.

 - O que isso tem a ver conosco? Pergunta Doutor Saturno, querendo mostrar que compreendeu mais do queria em uma vida.

 - Você, Saturno, cometeu um crime contra a vida, porque você acreditava estar seguindo a sua religião. Mas o senhor não conhece a origem da sua crença, e por isso está perdoado. Mas por favor, é importante que eu continue, para o seu bem. - O tom de ameaça foi imediatamente absorvido pelo teimoso idoso. Sua filha estava maravilhada com a situação, e apertou a mão do pai. Ela sabia que quando o velho sentia medo, seu brilhante cérebro científico tomava o controle, mas essa não era a melhor hora.

 - As suas origens são as mesmas que todos os outros humanos em seu planeta. O corpo que vive em Gaia é humano, mas as almas são pura energia, vida imaterial, sem forma. Os titãs que seu Hércules derrotou realmente existiram, e foram derrotados, mas não as suas almas. Os seres que você tanto teme, doutor, estão vivos entre vocês, e eles tem a forma humana. Demônios, que são almas inferiores, perdidos em seus pecados de orgulho e vingança, caminham entre vós. Eles se parecem com vocês, falam como vocês, alguns lideram vocês. Seus corações negros só conhecem o ódio e o orgulho, e a intenção deles é o de fazer um exército de almas penadas, almas sem vontade própria, para destruir a criação do Senhor, nosso Deus. Mas não se preocupe, todos a bordo dessa nave são bons de coração, e minha missão aqui hoje é despertar o verdadeiro amor nos seus corações.

 - Por favor, continue. - Agora, mais calmo, o doutor começa a aceitar a mensagem como sendo uma verdade importante, talvez a maior descoberta de sua carreira científica.

 - Você meu caro doutor, se julgava superior ao seu colega baseado apenas no seu nascimento. Isso está longe de ser verdade. As verdadeiras almas superioras não habitam o seu mundo. Vocês ainda não estão prontos. Para ser considerada alma evoluída, você deve entender o verdadeiro significado do amor. O mesmo amor que você sente por sua filha, você deverá sentir pelo seu colega, por todas as criaturas de Deus, amigos e inimigos por igual. O Amor não permite distinções, julgamentos, preconceitos. Quando o senhor for ler as suas escrituras sagradas, pense no amor. Existe muita boa vontade e muito esforço foi colocado nessas escrituras, mas lá atrás na época em que foi feita, ninguém sabia o que era amor. Eram mais como animais, e o amor era só mais um instinto, sem muito pensamento consciente. Eu quero que o senhor encontre uma maneira de amar seu colega, da mesma forma como o senhor ama sua filha e a si mesmo. Você compreende a importância disso?

 - Devo ser sincero, não.

 - Acho que o senhor compreende melhor do que está me dizendo. Agora que o comandante te libertou do dogma e do ritual, use sua nova liberdade para estudar novos meios de evoluir sua compreensão das coisas. Estude outras escrituras sagradas. Tente entender porque Hera pôs a serpente no berço de Hércules. Hércules viveu muito tempo depois disso, e tudo isso se passou nos planos do Senhor. Existem diferentes verdades para diferentes povos, e só existe uma mentira. Uma única mentira. Todos no seu planeta acreditam que seus pecados serão perdoados quando morrerem. A verdade que eu revelo a você, doutor, é que a forma como você vive sua vida, dia após dia, é o que será medido e julgado, não somente a forma como morre. E se sua vida se resume a obediência cega de escrituras que o senhor claramente não compreende, então será punido por isso. Não no inferno, e nem no céu. Mas de volta na Terra, sempre de volta na Terra. Lembre-se, da Terra veio e para a Terra retornarás.  - A presença vai embora. O doutor Hypnossono está visivelmente cansado e pede um copo de água, oferecido por Perséfone.

 - Doutor, eu ainda tenho muitas dúvidas...

 - Eu sei, meu amigo. Mas essas coisas levam tempo. O mais importante é que você esteja comprometido com a verdade. Deus é todo poderoso, e soberanamente bom e justo. Dizer que Deus prefere uma de suas criações sobre a outra é dizer que Deus é burro e errou, isso não faz sentido. Dizer que Deus destruirá o mundo, e ressucitará os mortos, é dizer que Deus criou o Universo totalmente ao acaso, jogou com os dados da sorte, e isso é absurdamente errado. Acaso não existe. Toda consequência tem uma causa. Procure pela causa de tudo e encontrará a Deus.

 - Vamos Papai, deixaremos o doutor descansar. Muito Obrigado, eu estou toda arrepiada.

 - Essa foi a primeira verdade que você disse na presença de seu pai, Perséfone. Adquira esse hábito saudável, ele precisa de você, não do que você mostra a ele.

O Capitão esconde o painel, mas não consegue disfarçar sua cara de espanto. O comandante vem buscar o doutor para escoltá-lo de volta a seu laboratório, agora livre de adagas. Sr. Baco interrompe:

 - Desculpa comandante, temos um problema. A nave foi projetada para ventilar um compartimento em chamas e conservar o oxigênio. Mas o senhor ventilou todo o deck, e acabou com nossas reservas de oxigênio. Segundo o computador, não temos oxigênio para voltar. Devemos encontrar uma fonte de 200 metros cúbicos de oxigênio no planeta para voltar.

 - 200? Em Marte? Meu Deus. Avise Athenas que temos um problema, talvez eles mandem um tanque de emergência, podemos esperar alguns meses reciclando o ar da estufa. Em último caso, três pessoas mais a Doutora Perséfone podem retornar em estado de coma induzido. Se chegar o momento, tiramos a sorte para ver quem fica.

- Nesse caso, serei eu e mais um. - completa Baco. O Capitão sabe que isso não é problema, sua missão resolveria a falta de oxigênio eliminando os narizes infiéis. Mas as palavras de Hypnossono mexeram com suas crenças, alguma coisa começa a despertar no seguidor do olho.

sábado, 22 de novembro de 2014

Fantasmas de Marte - Capítulo 5

EU NÃO SABIA

Finalmente, Heliópolis. "Meu Rá, o que é isso?" todos diziam, quando olhavam pela primeira vez a cidade, sua pirâmide tão alta que as nuvens escondiam parte do cume, que ficava parecendo um trapézio. A cor predominante era o amarelo claro, das rochas de calcário, mas finamente decorada com linhas brancas, metálicas, e pedras azuladas, vitrificadas, que davam um brilho quase sobrenatural a toda a estrutura. Pequenas jóias de todas as cores, rubis, esmeraldas, topázios, diamantes, desenhavam constelações de estrelas, imagens de hieróglifos representando as glórias e as vontades dos Deuses. As poucas palavras escritas do lado de fora eram orações dos deuses, e ordens de obediência e disciplina para Rá.

Anúbis, depois de muito esforço, tinha conquistado a confiança de Anuket. As duas amigas agora compartilhavam seus pensamentos e desejos, de forma inocente.

 - Anuket. Você sabia que seria assim?

 - Não. É por isso que eu vim. Quero ver tudo, saber tudo. Será que nós poderemos andar pelo palácio, ler os papiros?

Um dos semi-nobres conduzindo a charrete ouve o comentário inocente e decide, de forma maliciosa, alimentar as esperanças da pobre inocente. O outro ri baixo para si mesmo
- Menina, mas é claro. Todo camponês é muito bem vindo nos andares superiores. Eu conheço o guarda da biblioteca, o nome dele é Homus. Diga que você veio comparar anotações entre o livro dos vivos e o livro dos mortos.

Anuket poderia ser inocente, mas algo dentro de seu coração dizia a ela que esse homem sorridente na verdade usava a máscara da mentira e traição. A esperta menina, em um trabalho brilhante de detetive, rapidamente organizou as evidências em sua imaginação. Primeiro, Homus não poderia ser um nome de gente, já que era o nome de um molho usado na comida dos nobres. Ela sabia disso através do seu marido tagarela. Segundo, ela sabia que os nobres guardavam o conhecimento para si, e que tinha muitas coisas que o camponês não poderia saber jamais. Mas aquele guarda bastardo e arrogante deu a ela uma informação muito valiosa. Ninguém nunca disse a ela, mas ela sempre soube, do fundo de seu coração, que se era entregue aos camponeses o livro dos vivos, então deveria existir o verdadeiro conhecimento de Rá, O Livro dos Mortos, o livro proibido aos camponeses. O livro do poder.

 Anuket sabia que conhecer é poder, e conhecimento demais era poder demais. O maior temor de todo faraó é a encarnação de Osíris, o deus dos mortos. Dizia a lenda de um dos capítulos do Livro dos Mortos que Osíris em pessoa, viria até a Terra para julgar e levar a todos para o Reino de Rá, acabando com toda a existência física, e jogando nas chamas do reino inferior todos que forem julgados inferiores. A palavra inferior perdeu seu verdadeiro sentido ao longo dos anos, decreto após decreto dos onipotentes faraós. Hoje, não resta dúvida. Nobres são superiores e portanto estão automaticamente salvos da fúria de Osíris. "Pobres camponeses, inferiores, que após essa existência miserável serão jogados aos montes no fogo de Hórus", "Nesse dia deveremos ter cuidado, o fogo de Hórus estará mais quente que nunca.", zombavam dois nobres conversando casualmente na Kahfeteris, o salão de refeições do palácio.

 - Chegamos Anuket, chegamos. Olha como tudo aqui é grande! Ai, que lindo essas estátuas de homens com corpo de gato. Olha!

 A cada comentário inocente e empolgado de Anúbis, os guardas riam cada vez mais alto e mais histéricos, todo ano era a mesma coisa. A ignorância dos camponeses era melhor que qualquer show de stand-up comedy que você puder imaginar. Homens com corpos de gatos, não sabia ela que aqueles eram Esfinges, múmias sagradas dos guardas pessoais de Amon, o pai de Rá. Amon era uma divindade superiora a Rá, e por isso era proibido aos camponeses saberem de sua existência. Diz o Livro dos Mortos que Amon criou o Universo e os vários mundos para Rá governar. Um dia Rá viu um de seus mundos sendo corrompido por outra divindade, Aton, o Deus da Caridade. Amon então criou um exército de bestas e demônios, feitos de pedra, para que Rá mantivesse seu poder. Após a batalha da Gênese, o vitorioso Rá libertou as almas de seu exército e mumificou seus corpos ao redor da cidade, em eterna vigilância. Um lembrete de Rá para seus súditos, que um dia Aton poderia voltar, e a caridade destruiria seu estilo de vida para sempre.

Os nobres normalmente caminham pelas ruas tranquilos, mas não hoje. Após o famoso incidente em que um servo surtou e esganou um nobre que assistia a procissão, o faraó ordenou que nesse dia os nobres não deveriam ser vistos pelos camponeses. Para os servos, ficava a impressão que aquela cidade maravilhosa de pedra e beleza era deserta, habitada por poucos privilegiados. Na verdade, existiam mais nobres que camponeses, o que era uma constante dor de cabeça para o pessoal do setor administrativo. Certa vez o ministro da comida disse ao faraó :
 - Ó deus Rá, ouça a minha preçe, esse ano a colheita foi 18% menor que ano passado, se não reduzirmos a nossa cota da nobreza, os camponeses morrerão de fome! .
O faraó fez aquela cara que cachorro faz quando não entende algo, e riu:
 - E daí?
 O ministro muito envergonhado retrucou:
 - Mas Senhor! Se perdermos camponeses agora, ano que vem a colheita será menor ainda. E no ano seguinte menor ainda. E assim por diante. Eu lhe pergunto, divino mestre, quem irá nos alimentar então?
O Faraó parou de rir imediatamente. Aquele pensamento era lógico, racional e certo. Mas o fato que esse pensamento tenha partido de um nobre inferior foi uma grande ofensa ao todo sábio e poderoso deus encarnado Rá. Só havia uma coisa a se fazer para restaurar a dignidade divina.
- Guardas, façam o que ele disse, e depois o atirem ao covil dos leões.

 - Chegamos finalmente. Precisarei de três, não quatro, banhos nas termas reais para tirar esse fedor carnicento de camponês da minha nobreza.

 - Não se esqueça de queimar as roupas. A contaminação é inlavável. - disseram os guardas.

O alojamento dos servos inferiores era uma espécie de favela. O salão inferior da pirâmide tinha paredes inclinadas a 12°, o que forçava a todas as casinhas de madeira reciclada e couro cru terem a mesma inclinação de 12°. A altura do salão era impressionante, mas não deixava de ser um espaço fechado que deveria ser aproveitado da melhor forma possível. Nos andares inferiores, lojinhas de permuta trocavam mercadorias entre os servos, e bares serviam rodadas de cerveja e destilados clandestinos, feitos ali mesmo com os restos da ração da nobreza, alegrados de muita música e dança característicos da cultura. Tudo aquilo era escuro, barulhento, fedido, e poderia ser muito perigoso.

 - Anúbis, isso tudo é tão lindo. É maravilhoso. Meu sonho está se realizando.

 - É mesmo Anuket, eu nunca mais vou voltar pra casa. Vamos amiga, vamos explorar!

 Agarrando a amiga pelo braço, as duas saem correndo em direção à rua principal, seguidas de muitos olhares maliciosos. "Carne nova no pedaço." pensou uma senhora bem vestida e obesa, duas características muito incomuns entre os servos. Primeiro que acumular riquezas era quase impossível, sem um sistema de economia e dinheiro. Segundo que a ração camponesa, enriquecida com fibras (indigestas) e minerais (da água lamacenta do rio), não permitia ao servo acumular gordura, todos eram muito magros e baixos. Aquela serva bem vestida e gorda deveria ter uma presença na nobreza que lhe permitia acesso ao luxo. Acesso esse que tinha um preço, pagável em mercadoria. Suave, bela e inocente mercadoria.

 - Bastet, eu quero aquela ali. A bonitinha que está sendo arrastada pela outra coisa horrível. - Anúbis não era horrível, dizer isso é maldade. Mas ela era um pouco diferente mesmo. Sua testa era alta, seu cabelo começava a crescer muito para trás, e isso deixava sua cabeça grande. Sua boca era um pouco pronunciada para frente, seus lábios não fechavam, mostrando alguns dentes tortos. Embora a cor da pele não fosse um problema naquela cultura, a pele de Anúbis era seca e peluda, realmente, aquela menina era a mina de ouro dos salões de beleza, se houvesse algum naquele lugar.

De pronto, Bastet, a líder da gangue de Dona Sekhmet, mais conhecida como fornecedora de sonhos, partiu em uma perseguição discreta, se misturando à multidão, vigiando cada passo e ouvindo cada palavra das duas meninas inocentes. As palavras doces e inocentes não causavam nenhuma impressão no coração de pedra da moça, nascida no campo, possuída por um nobre velho e gordo, resgatada pela Dona Sekhmet quando o nobre morreu engasgado em um pedaço de peru e seus bens foram leiloados no mercado. Sim, era uma hipocrisia que depois de tanto sofrimento, a liberta Bastet escravizasse inocentes para tomarem seu lugar. Mas um único pensamento ecoava em sua mente, "eu devo tudo à Dona Sekhmet, tudo. Até a morte".

As meninas passeavam pelas ruas filmando tudo, cada mínimo detalhe, com todos os seus sentidos mandando uma cascata de informações e sentimentos novos para seus pequenos cérebros. Virando em uma ruela menos movimentada, um fazedor de bonecas solitário em sua banca escura, sentado atrás de um balcão com algumas bonecas primitivas, atrás dele uma grande cortina vermelha escondia um quarto pequeno. Antes mesmo de ver as meninas, seu instinto predatório lhe faz olhar a esquina, sua boca enche de água. - MENINAS, AQUI! - Acena com uma boneca na mão.

 - Olha Anuket, pequenas amigas. Eu nunca tive uma. - Os olhinhos de Anúbis brilhavam de desejo. Sem nada a oferecer, a menina sabia que não poderia apenas agarrar uma e correr, algum guarda em algum lugar a pegaria e dessa vez, não tinha casa para ser devolvida. Anuket não se interessou, o que foi muito decepcionante para o fazedor de bonecas, logo a mais bela das duas. Experiente, sabia bem que não poderia tentar contra a vontade da criança, nunca daria certo. Mas a outra está beliscando o anzol, seria preciso um puxão firme e certeiro.

 - Então , menina, posso ver que você não tem nada a oferecer em troca da pequena amiga. Eu sinto muito mesmo, mas não posso simplesmente dá-la a você. - a voz forçadamente doce e suave do homem cativou a jovem Anúbis, que ouvia com atenção, mas provocou um repúdio da esperta Anuket, um calafrio desceu pela sua espinha, seus pés queriam correr, mas suas pernas não responderam. - Você pode ir embora agora, vai, não tem nada pra você. FORA! - Gritou para Anuket, que deu um salto para trás e correu. Anúbis não tinha percebido ainda, estava hipnotizada pela boneca nas mãos do fazedor. - Então, menina, eu faço um acordo secreto com você. Eu te empresto minha melhor boneca, para você brincar aqui dentro da banca. Quando você não quiser mais, deixa ela aqui e vai embora. Mas cuidado, se você machucar ela, eu te jogo para os crocodilos. E não conta nada pra ninguém, o acordo é só entre nós. Combinado?

Antes mesmo da menina pensar alguma coisa, uma adaga de metal esverdeado passa em sua frente, com cabo enrolado em couro, muito enferrujada, o pó verde flutuava no ar e cheirava mau, exceto pela lâmina cobreada muito afiada. Era Bastet e Anuket, que durante sua fuga, trombou de frente na moça que a seguia, e percebeu então que essa era a oportunidade perfeita para iniciar um contato.
- O que foi menina, por que está assustada?
- Um homem mau possuiu minha amiga.
- Não se preocupe, vamos lá ver.

O homem, assustado não tem tempo de reagir, a ponta da adaga pressiona seu pescoço.
 - Então, fazedor de bonecas, o que você está tramando?
 - NADA, nada, eu juro por Rá.
 - Jurar em falso é pecado, punível com a morte. Eu poderia levar você para os guardas, mas sabe como é toda aquela burocracia, montanhas de papiros para assinar. É muito mais fácil agente acabar com isso aqui mesmo, o que me diz?

O homem nada disse, não era a primeira vez que o flagravam no seu esquema demoníaco, e não seria a última. Ele sabia muito bem quem realmente era aquela farsante, leão em pele de gato. Do seu bolso saiu uma pequena estátua de Nerfetit, a bela, em ouro e pedras preciosas. Ele a coloca no balcão, que discretamente é guardada pela Bastet, recolhendo a adaga. O Gesto de Bastet foi nobre, mas se o ditado for verdadeiro, "a intenção é mais importante que o gesto", significa que as meninas estão correndo perigo muito maior. "Eu não posso vender mercadoria danificada, sua idiota", Dizia dona Sekhmet, referindo-se a virgindade de suas mercadorias.

EU JÁ SABIA

De volta no Disco de Apolo, como ficou oficialmente conhecido o prato de sopa, Baco e Júpiter batiam papo até que entra na cabine o biólogo e pai de Perséfone, Sr. Saturno Von Cronos:
 - Comandante, preciso ter uma palavrinha em particular com o senhor. É sobre minha filha.

 - Claro. Sr. Baco von Dionísio, por favor desca no deck inferior e verifique se a carga está bem fixada, eu quero testar a manobrabilidade da nave antes de chegar em Marte. Eu achei a decolagem meio lenta.

 - Estamos prontos Capitão. OOOOOOOHHHH vive em um abacaxi no fundo do mar...
Baco sempre sabe como fazer uma saída triunfal. O biólogo de fala baixa e mansa é um homem muito honrado, e respeitado. Mas seu aspecto magro e fraco esconde um lobo feroz quando o assunto é proteger sua princesa Perséfone.

 - Comandante, eu estou muito preocupado com as intenções do Sr. Plutão von Hades, ele está sempre, sempre de olho na Perséfone, conversando sem parar. Em nosso costume, os filhos de Hércules devem proteger sua pureza contra as influências do mal, que estão por toda parte. Minha filha é pura e, obviamente, é uma moça muito educada e sempre ouve com atenção, ri um pouco, mas tenho certeza que isso a incomoda muito e eu quero que pare. Agora.

Moça educada? Incomodada? De quem ele está falando? Com certeza não é essa Perséfone, deve ser outra. Todos na nave sabiam do namorico secreto de Perséfone e Hades, não era nenhum mistério de detetive. "Pobre rapaz", pensou consigo mesmo o comandante. "Ainda bem que não é mulher dele."
 - Doutor Saturno von Cronos, eu entendo a sua preocupação, de verdade. O senhor é um excelente pai, embora nesse assunto eu não entenda muito. (deixa os olhos abaixarem um instante, mas logo se recompõe, devia mostrar sua força militar). Eu não estou alheio à situação, doutor, pode ficar tranquilo, afinal é meu dever zelar pelo bem da tripulação. Eu vou descer lá para termos uma conversa.

- Obrigado comandante por ter entendido, eu vou com o senhor.

 - Ah, não, não doutor, não precisa não. - Cada "não" soava como um tapa na cara. - Eu cuido disso, por favor, fique tranquilo. Espero que o senhor entenda meu trabalho, a amizade e o bem estar de todos é fundamental para o sucesso da missão, e espero que todos nós possamos nos entender.

 - Eu entendo Comandante, obrigado.

 A nave era redonda, tudo é redondo, nenhuma parede reta para se pendurar um quadro, nenhuma porta retangular. As escotilhas de emergência, no caso de perda de atmosfera, pareciam os obturadores de câmera fotográfica, e permaneciam fechados até que alguém tocasse a placa eletrônica ao lado. A pessoa teria 5 segundos para passar, e então era automaticamente fechada, como um cortador de charutos do inferno. Da cabine, passando pela escotilha de emergência, chega-se imediatamente a um corredor circular, o deck superior. O piso é de grade metálica, em um formato estriado especial que conduz o campo magnético para fora da nave e proporciona a atração da gravidade. A maior discussão entre os cientistas e o Comandante foi se deveriam fazer o piso transparente ou opaco.

 - Mas Comandante, o piso opaco melhorará a eficiência de seus escudos em 12%, e a gravidade será exatamente a mesma de Gaia, seria como se nunca tivessem saído do planeta.

 - Não me importa. Eu preciso ter a visão total da nave o tempo todo, não posso ter todo o deck inferior escondido de mim. Aumentem a potência do reator para os escudos, dá na mesma.

- Mas Comandante, a gravidade aumentada seria 20% a mais que no planeta, uma pessoa de 80Kg pesaria quase 100kg durante a viagem.

- FAÇA!

No centro de tudo, a rosquinha do diabo. O reator era um monstro, e ficava visível a todos de toda parte da nave. Cabos elétricos e conexões hidráulicas zuniam e rugiam fazendo barulhos intermitentes, vapores condensados eram expelidos de válvulas de segurança como o nariz de um dragão adormecido. A força de atração magnética tinha sido desviada pelo piso até os escudos da nave, mas mesmo assim, era possível sentir a besta chamando para um abraço. Não tinha um mecânico chefe, nenhum engenheiro responsável. Aquilo assustava o Comandante:

 - Quem será o engenheiro responsável pela manutenção? - Pergunta para o professor cientista.

 - Ninguém comandante. Uma vez montado e ligado, não há nada que alguém possa fazer. Coisas simples como substituir uma linha hidráulica ou uma conexão elétrica, o senhor mesmo pode fazer, as redundâncias irão proteger a nave. Mas se houver uma falha catastrófica, ou se o reator não tiver mais potência para manter a anti-matéria contida, a explosão acabaria com metade do sistema solar, não adianta correr. Cuide bem do Disco de Apolo, Comandante, todas as nossas vidas dependem do senhor. Lembre-se: Em caso de emergência, atire a nave no sol, e rezaremos para que ele não vire uma SuperNova.

O deck transparente foi difícil de se acostumar. Como um espelho de água, uma pessoa andaria em cima enquanto outra andaria em baixo, seus pés tocando a mesma placa do piso, um efeito ótico perturbador. Um buraco no chão com uma cadeira giratória servia de elevador entre os planos gravitacionais. O efeito de giro nos órgãos internos era horrível, enquanto seu coração e pulmões eram comprimidos para os  pés, seu estômago subia até o pescoço. O comandante sabia que o piso deveria ser transparente pois sua tripulação tinha alguns segredinhos, um direito à privacidade difícil de manter em uma sociedade liberal e democrática. No deck inferior, na estufa, conversavam Perséfone e Plutão, com uma certa intimidade.

 - Atenção no deck, Comandante presente ! - Uma piada militar, raramente compreendida pelos civis.

 - Como vai comandante? Eu tenho aqui o seu relatório sobre o crescimento das plantas, a gravidade aumentada não foi problema, as plantas se adaptaram muito bem. Eu por outro lado, estou horrível. Nunca mais subirei em uma balança enquanto viver. - Diz Perséfone fazendo uma piada feminina, raramente compreendida pelos homens.

 - Esse trabalho não é do seu pai? Ele é o biólogo, você é a médica. A não ser que tenha crescido uma couve flor nas orelhas do Sr. Plutão von Hades.

Plutão von Hades era filho de pais Troianos, idolatradores de Hera, um povo perseguido, odiado, mau compreendido, sofrido. Seu país não era oficialmente reconhecido pela União das Pátrias, e seus inimigos mortais, os Latinos, eram muito ricos e influentes na política, muito vingativos e principalmente, muito intolerantes com a diversidade cultural de Gaia. Os Renascidos de Hércules em particular, uma seita que idolatrava os dozes trabalhos de Hércules von Héracles, juraram nunca dormir enquanto os seguidores de Hera estiverem vivos, aquela que pôs duas serpentes no berço do semi-deus. A guerra, no entanto, não era abertamente declarada pela pressão da opinião pública, e por que apesar da guerra ser um investimento lucrativo, a guerra fria era mais lucrativa ainda. O Comandante foi muito corajoso em trazer a bordo Plutão, junto com Saturno e Perséfone. Esse barril de pólvora poderia fazer perder toda a missão. Sua arma secreta, amor.

 - HAHA, muito engraçado Comandante. Como geólogo, é meu trabalho analisar a qualidade do solo da estufa.

 - Corta essa Sr. Plutão, todos nós já sabemos, vamos direto ao assunto, por favor. O pai de Perséfone está desconfiado e me pediu para separar vocês dois. Eu vim aqui para pedir aos senhores que sejam discretos, ou melhor ainda, conversem com o Doutor, façam disso um assunto oficial.

 - Sr, Comandante, eu compreendo. Peço desculpas por envolver o senhor nisso. Como o senhor sabe, eu sou Troiano e o pai de Perséfone é Herculano, ele nunca, nunca, nem morto, permitiria nosso relacionamento. O único motivo pelo qual ele me tolera, é que eu mudei meu verdadeiro nome para Plutão. O senhor é bem intencionado, e por ter me dado essa oportunidade serei eternamente grato. Mas o senhor não compreende, em termos de religião, o filho de meu inimigo já nasce culpado por todos os crimes de seus ancestrais. A criança já nasce julgada, culpada, e condenada à morte. Eu não estou apenas roubando o coração da filha dele. Eu estou levando a filha dele junto comigo para o inferno, e isso ele não irá permitir jamais. - Perséfone, sempre tão madura e independente, dessa vez sente uma vontade incontrolável de chorar e agarra o braço de Hades como se fosse uma criança.

 - (suspiro), eu não entendo. Eu sou um militar, desde meus 8 anos de idade. O Sargento gritava, eu engolia o choro e obedecia. Todos os dias, depois de cumprida minhas tarefas, uma missão era passada a ser cumprida no horário. Geralmente era alguma coisa idiota feito lavar os banheiros, ou lavar os veículos, ou lavar o prédio, uma forma de provar nossa obediência. Um dia, eu já tinha 17 anos, me deram um rifle, me puseram em um avião e me mandaram a Faixa de Gizé. A única coisa que me disseram foi "Você fica desse lado de cá da cerca e atira em tudo que se mexe do lado de lá da cerca." Nos primeiro dois dias eu atirei. 29 mortos confirmados. Os rapazes marcavam com giz cada morte confirmada em seus capacetes, disputando entre si. Mas aquilo começou a me incomodar, porque eles não estavam atirando balas em nós. Nenhuma bala, nenhuma explosão, nada que fosse letal. Só pedras. PEDRAS. Um dia, eu declarei cessar-fogo, pulei a cerca e fui lá ver de perto. Um inimigo que eu matei estava deitado de costas, então eu virei ele. Era um rapaz, de 17 anos, magro, sujo, fedido, segurando uma pedra na mão. Mais tarde, depois de render e revistar os prisioneiros eu fui até a vila inimiga, e vi um velho gritando para uma criança, gesticulando naquela língua bizarra que parece ter apenas a vogal "A" e um monte de consoantes guturais, apontando para a cerca. O velho estava pegando todas as crianças da vila, dando uma pedra para cada uma, e mandando elas para a cerca, para que nós as matássemos. Eu dei um tiro no velho, na orelha direita, em frente à todas aquelas crianças. Elas me olharam aterrorizadas. Eu comecei a chorar, desarmei meu rifle, e caí de joelhos. Uma das crianças veio até mim, e me entregou a pedra dele, essa aqui que tenho no meu bolso.

 - Comandante, eu ...

 - Não, ISSO É ERRADO! Não me importa que a maioria do mundo se odeie, isso é problema deles. O que eu faço da minha vida, é problema meu. E o que vocês estão fazendo da vida de vocês não é um pecado, e vou defender o amor de vocês até a morte. - As palavras sinceras do comandante valeram um abraço apertado de Perséfone e duas lágrimas de Plutão, grato pela história de perdão. Plutão sabia quem era o velho da história, era um dos Filhos de Hera, velhos feiticeiros corruptos, que diziam conversar com Hera e transmitiam a vontade dela para o povo. Na verdade, os velhos manipulavam aquele povo ignorante para sua própria agenda política.

Na cabine do piloto, Dr. Saturno von Cronos, muito emocionado, segurava seu livro sagrado nas mãos. O choro era uma mistura de ódio e frustração. O comandante esqueceu de desligar as câmeras internas, e o áudio transmitido foi uma faca quente no coração tradicional e conservador do pobre viúvo. Sua única filha, seu tesouro, seu legado, sua descendente, acabou de jogar toda a história de um povo no lixo para perseguir um amor impossível. IMPOSSÍVEL. "Aquele povo não sabe o que é amor, eles só sabem fazer guerra e matar. COVARDES." pensou consigo mesmo, socando o console e apertando alguns botões sem querer. A Nave fez alguns sons estranhos, alguns alarmes dispararam, o que fez com que o Dr saísse correndo pela escotilha direto para seu laboratório, na tentativa de esconder sua descoberta por enquanto. "Preciso salvar a alma de minha filha. Tem que parecer um acidente." pensou.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Fantasmas de Marte - Capítulo 4

A VIAGEM

 - ANUKET, VENHA RÁPIDO, A CARRUAGEM REAL VEIO TE BUSCAR ! - disse sua mãe Ísis, em uma mistura de sentimentos confusos e contraditórios. Por um lado, estava muito orgulhosa da filha, pois ela estaria cumprindo com seu dever ao faraó, a encarnação de Rá. Talvez se ela servisse bem, e agradasse aos nobres, eles poderiam lhe agraciar com um convite para trabalhar na pirâmide, talvez ela fosse elevada ao estatus de nobre da corte. Por outro lado, pensou ela, sua filha correria o risco de perder seu passaporte, então ela seria possuída por sua beleza e inteligência, e nunca mais veria seus pais, seu gato, seu lar, e principalmente seu céu estrelado que tanto ama.

 Um suspiro lhe escapa do peito, lhe arrancando uma lágrima solitária escorrendo por seu sorriso, hoje mais belo que nunca. Não, é claro que isso era impossível. Em toda a história daquela civilização, nunca jamais um nobre promoveu o estatus de um servo camponês, isso era simplesmente impossível. Toda a corte do faraó era nascida e criada dentro da pirâmide, sempre foi assim, com algumas excessões de filhos bastardos de servas possuídas tentando se firmar no poder. Interessante como funciona a cabeça do ser humano, sempre procurando por diferenças, sempre medindo e comparando qualidades e defeitos. Naquela sociedade, não importava a cor da pele, nenhum traço físico, apenas a localização do seu berço, a origem de sua família. Foi pensando nisso que um dos antigos faraós Rá expediu a lei do camponês, basicamente exigindo que todos os servos esquecessem seu sobrenome para sempre. Somente nobres teriam o privilégio do nome da família, o privilégio de servir diretamente ao faraó e de compartilhar das dádivas de sua divindade, sua comida, suas roupas, sua morada, seus servos.

Um último abraço na sua mãe, que não consegue dizer nada. Seu pai, hesitante, lhe estende a mão, mas dessa vez tentando ser delicado, e então a estranheza do gesto lhe assusta e ele corre para dentro de casa antes que pudesse tocar a menina. Ele mesmo não compreende o que sua mão tentou fazer, seria uma espécie de tapa na cabeça, devagar e sem força, mas ao mesmo tempo queria lhe esfregar os cabelos. Mas seu sentimento não era o de ferir a pobre menina, e isso o assustou. Ele sentiu isso uma vez no passado, a muito tempo, quando sua esposa prometida Ísis lhe foi entregue em sua casa. Naquela época, sem o copo de cerveja na mão, ele tentou um gesto similar, o que acabou assustando a então pequena Ísis, que saiu correndo, chorando, para seu espanto. Nunca mais farei isso, disse ele.

Na carruagem real, os servos andavam atrás dos dois homens, filhos bastardos de servas e nobres, que lhes eram concedidos privilégios de nobreza mas deveriam servir em trabalhos menos agradáveis, na parte administrativa da pirâmide. Só havia um momento da vida do servo que ele poderia andar de carruagem, e esse momento seria seguido de sua mumificação. A longa jornada não era problema, os camponeses eram acostumados com a falta de conforto. Seriam dois dias, com quatro paradas para comer e dormir. Cada servo levava consigo uma pequena bolsa de couro de cabra, com alguns pertences básicos. Uma escova de cabelo e uma escova de dentes, uma roupa de baixo, um reparo de sandália caso a alça arrebentasse, e um frasco de óleo perfumado, exigência de um dos faraós do passado, que tinha um nariz poderoso, e reclamava constantemente dos ventos que sopravam do campo para a cidade.

Anuket exibia orgulhosa seu passaporte, sem perceber a revolta crescente nos olhos de Anúbis, uma das filhas do vizinho. Anúbis nunca recebeu maus tratos de seu pai, muito pelo contrário. Era comum a menina ser pega pelos guardas saindo dos limites da zona proibida aos camponeses, sem um passe, e quando retornada a sua casa seu pai ora estava dormindo, ora dizia :" Deixa ela aí, desculpa o incômodo seu guarda, senhor." Um incômodo. Talvez ela não estivesse incomodando o suficiente para ser notada, talvez ela já tivesse incomodado mais que o suficiente para ser ignorada. Não mais. Ela não seria mais um incômodo. Seus planos não lhe agradavam no começo, ela esperava ser possuída de propósito, na esperança que seu pai um dia notasse sua ausência e viesse tentar um resgate. Mas vendo o passaporte de Anuket, uma idéia nefasta lhe dominava o pensamento. Ela poderia usar esse passaporte, e uma túnica real roubada, para se passar de nobre no palácio. Isso sim é um plano genial, pensou ela.

 - Anuket, lembra de mim, amiga? Que bom te ver aqui! Eu estava com medo de ir sozinha mas com você aqui tudo vai ficar bem. - A sua mais falsa imitação de boneca de desenho animado foi muito convincente.

 - Anúbis, bom te ver também. - Na verdade não, mas a educação vem de casa. - Não se preocupe, o meu (é difícil dizer isso em voz alta, breve pausa)  marido é um mensageiro real, e eu combinei com ele de me buscar no último dia, antes do fechamento. Posso te dar uma carona ! - A pé, é claro. Carona nesse caso era a simples presença do mensageiro real que podia ir e vir livremente. E o fechamento era uma hora crítica para as servas, principalmente as mais belas. Era o momento quando os nobres se retiravam da festa, exaustos, em êxtase, mas o fato de voltar pra casa exige que passe na lojinha e se compre uma lembrancinha. Só que nesse caso não tem lojinha, e a lembrancinha iria te servir para o resto da vida, ou da beleza na maioria dos casos.

A OUTRA VIAGEM

 - Todos os sistemas verdes, velocidade constante, radar limpo, gravidade na nave é de 123% a de Gaia, dentro do esperado, Comandante senhor.

 - Obrigado Sr. Baco von Dionísio. - As suspeitas do Comandante Júpiter se revelaram verdadeiras. O incidente de Baco provocou uma mudança profunda em sua personalidade. O antes bobo-da-corte agora se tornou o palhaço triste, quase uma pessoa normal. Isso lhe preocupava porque era justamente o motivo por ter escolhido Baco entre dezenas de outros candidatos, capacidade de manter a moral elevada da tripulação, e manter o capitão sempre com os nervos à flor-da-pele, alerta, irritado, com o coldre aberto e a arma destravada. Discretamente, o Comandante deveria fazer de tudo que fosse possível para trazer Baco de volta à realidade. E a solução estava bem ali, na mala enviada pelo presidente, entre outras coisas uma garrafa da melhor cerveja Strong Red Ale do planeta, fermentada de forma tradicional com o melhor mel e geléia real das mais finas abelhas Jataí, muito raras por serem impossíveis de se criar em cativeiro.

 - Atenção, Todos reunídos no deck superior em 5 minutos, por favor. - disse o Comandante no interfone.

 - POR FAVOR ? - De forma espontânea e sem ensaio, todos na nave se perguntam ao mesmo tempo, o que o comandante quis dizer com "por favor" ? Afinal, ele era o Comandante, o líder, o fazedor das leis. Não era de seu feitio pedir por favor, nunca. Talvez o homem estivesse com problemas, talvez estivesse com câncer cerebral inoperável, talvez fosse alguma técnica de marketing subliminar. Uma coisa é certa, em 15 segundos todos estavam reunidos no deck superior mortos de curiosidade para saber o que por favor significava.

 - Uau, isso foi rápido. - disse o Comandante com a mala presidencial nas mãos, o selo presidencial estampado na mala visível para todos. - Primeiro, quero dizer a vocês que o lançamento foi um sucesso, e como todos sabem, na engenharia aeroespacial 90% dos acidentes ocorrem na decolagem ou na aterrissagem, então essa é uma boa notícia. Como Comandante da missão vocês devem me ver como O chefe, O chato, O paizão exigente, mas por favor, se nós vamos ficar trancados em uma lata de sardinhas durante 4 meses, é melhor que sejamos mais do que profissionais, espero que possamos ser amigos. - Todos concordaram com a cabeça, até mesmo o Capitão que descruzou os braços e tirou a boina, em sinal de respeito. - Essa mala que eu tenho aqui é o plano B do presidente. Ele me chamou em um canto da sala e disse (faz voz rouca e olhar vesgo)"Se der merd@, usa a mala." (risos), e conhecendo o velho eu achei que tinha uma ogiva nuclear ou sei lá. MAS, para minha surpresa, aqui dentro tem uns presentes muito, muito interessantes, que eu quero compartilhar com meus amigos.

- E quando é que eles chegam? - Deu certo, Baco fez uma piada, bem na hora. O timing de Baco sempre foi perfeito, a nave explodiu de risos, Perséfone teve de ser amparada por seu pai para não cair no chão, até o Capitão riu, envergonhado e cobrindo a boca com medo que alguém notasse. O Comandante riu, ameaçou um tapa na nuca de Baco, e teve seu momento de papai Noel.

 - Já que todos estão muito ocupados rindo, vou começar com o Senhor, Sr. Baco von Dionísio, acredito que essa garrafa lhe pertence. - Ao entregar a garrafa, Baco arregalou os olhos, e abriu um sorriso de orelha a orelha como se seu queixo fosse cair no chão. Ele sabia tudo sobre cervejas, e sabia, como a poeira na garrafa e o rótulo amarelado pela humidade denunciavam, que aquela era uma garrafa que não poderia ser aberta de qualquer jeito, tomada de qualquer forma, essa garrafa merecia toda a honra, respeito e admiração de um verdadeiro amante de cervejas. Em um movimento quase involuntário, Baco salta e agarra o Comandante como se fosse uma garotinha ganhando seu primeiro ursinho de pelúcia, a cabeça pousada no ombro do comandante que faz uma cara de nojo completa a cena de filme de comédia pastelão. Antes de qualquer reação, Baco segura a garrafa como se fosse um bebê prematuro, e faz um discurso, à La Baco:

 - Obrigado, Obrigado a todos, Ai gente, que emoção (fala fino secando as lágrimas imaginárias). Primeiro eu quero agradescer a academia por essa nomeação... - O Comandante sabia que o Baco voltando ao normal, significava que o Capitão voltaria ao normal, ou seja, antes que o Baco levasse um tiro, era melhor interromper a sua performance.

 - Ficamos felizes pelo senhor, Sr. Baco von Dionísio, se sobrar algumas gotas por favor lembre-se do papai aqui. Continuando - Baco sai saltitando para apagar um alarme no painel, o Capitão sério coloca sua boina a exatos 17,5° de inclinação Leste, como manda o figurino militar. O comandante sabia melhor que ninguém que se você der um queijo ao rato, tenha em mãos uma sardinha para o gato, senão.... - Capitão Marte von Ares, infelizmente eu não conheço o senhor com grande intimidade, mas eu passei a minha vida toda no exército e sei que existem 2 coisas que um militar nunca tira da sua cabeça. Armas e mulheres. Eu tenho aqui uma coisa que acho que o Senhor vai querer guardar em segredo. - O Capitão adianta-se, tira algo da mala, uma caixa preta e um pacote marrom de papel, amarrado com um barbante, de forma retangular. O pacote marrom é rapidamente escondido longe da vista de todos, que como cortesia, fingiram não ter entendido a indireta extremamente direta do comandante. Mas a caixa preta foi aberta para todos verem.

 - Pelos deuses. Isso é lindo. Obrigado Senhor. - O Capitão tira algo da mala com uma delicadeza espantosa para alguém com seu histórico violento. Seus olhos brilham como se estivesse vendo seu filho nascer, e de certa forma foi isso mesmo que aconteceu. Todos ficam surpresos ao verem o que a princípio parece ser um revólver de modelo antigo, porém muito bonito, de pintura metálico verde musgo, decorado com pedras preciosas e detalhes em ouro, de cabo madre-pérola, meio grande mas muito leve. Mas não era somente um revólver velho para decorar a parede. Era o melhor e mais avançado sistema de proteção pessoal, como dizia no folheto informativo, do mais secreto desvio de verbas do exército planetário, essa última parte ficou de fora do folheto. Uma arma com 3 munições diferentes, anti pessoal ponta oca dun-dun, anti-armadura de alta penetração, tiro espalhado para curtas distâncias com ricochete, escudo magnético capaz de desacelerar e desviar balas metálicas, choque não letal para capturar o inimigo vivo, reconhecimento de digital evita roubo, comando de voz, GPS, rádio MP3, bluetooth, roteador wi-fi. Simplesmente, perfeita. Na maleta ficaram alguns acessórios, o carregador USB, e 4 tipos de munição, a ponta oca cobreada, a flecha de carbono anti-armadura, a cápsula vermelha cheia de chumbinho, e uma em forma de rosquinha. Ninguém percebeu.

- Vou chamá-la de Rita, em homenagem a minha avó que me criou até os meus 12 anos.  - Disse o capitão com a voz baixa e doce. Foi a primeira vez, e certamente a última, que o Capitão abriu seu coração em público. A oportunidade não poderia passar, pensou o comandante, que parabenizou o Capitão com um tapa nos ombros, como quem dá os parabéns ao papai de primeira viagem. Seguindo o exemplo, todos fazem o mesmo, exceto Baco, é claro.

"Você é um gênio Comandante Júpiter von Zeus, crise resolvida." pensa consigo mesmo o orgulhoso Comandante. Os demais presentes foram muito bem recebidos pela tripulação civil, embora eles nunca tivessem sido um risco para a missão. Questão de justiça, pensou o comandante, já que se a tripulação fosse toda militar, os demais seriam ordenados a retornar aos seus postos, e retornariam sem reclamar. A noite no espaço nunca acaba, mas a nave tinha sido projetada para sustentar a vida por décadas, já que seu motor movido a anti-matéria não poderia simplesmente ser desligado e guardado na garagem. "Essa nave é uma Bênção, e uma maldição." disse o cientista na conferência de imprensa, 2 dias atrás. Foi uma conferência reservada a imprensa especializada, Tv a cabo e publicações científicas, muito diferente dos abutres sensacionalistas.

 - O sistema de propulsão da nave não é nada de outro mundo, na verdade é muito simples. - explica o cientista chefe da engenharia aeroespacial - A anti-matéria tem duas características muito perigosas, a primeira é que se tocar a matéria normal mesmo que por um milésimo de segundo, uma reação explosiva de pura energia destrói tudo em um raio de até anos-luz de distância. Para guardar essa força divina - era muito raro um cientista evocar a presença de Deus em suas equações - não podemos simplesmente usar um vidro de azeitonas em conserva, é necessário um recipiente de vácuo altamente magnetizado. A princípio estávamos desenvolvendo esse recipiente quando uma teoria surgiu no quadro branco: E se pudéssemos concentrar essa força magnética em um único ponto? A matemática provou ser impossível, não em um ponto, mas uma reta, dois pontos, Norte e Sul. Assim, não foi possível, a princípio criar um recipiente em que a anti-matéria ficasse parada em um ponto, ela se moveria de sul para norte a velocidade da luz, seria como uma arma.

Eles poderiam ser uma imprensa especializada e civilizada, mas o professor descobriria da maneira mais difícil que uma vez imprensa, sempre imprensa: - Professor, sua descoberta influenciou a descoberta de um novo tipo de arma? Vocês pretendem distribuir para os soldados? Ela seria colocada em um satélite em órbita para ameaçar os inimigos da democracia?

 - Silêncio por favor, por favor. Eu não disse que foi feita uma arma, eu simplesmente usei um mau exemplo, me desculpem. Vamos continuar, sim? Um dos meus assistentes brilhantemente imaginou uma solução para esse paradoxo. E se o Norte terminasse onde o Sul começa, como um círculo? A anti-matéria ficaria dando voltas nela mesma como se fosse um daqueles antigos aceleradores de partículas que usamos no passado. Fizemos um protótipo com apenas um único átomo de anti-matéria, e para a surpresa geral, a força magnética foi tanta que todos os objetos metálicos se dobraram na direção do núcleo em forma de rosquinha. Por sorte, a decadência nuclear fez com que o anti-átomo se estabilizasse em alguns segundos antes que o prédio todo caísse em nossas cabeças. Muitas teorias depois, aqui estamos. O motor anti-matéria. Depois de fabricado, montado e ligado, ele funciona ininterruptamente durante décadas, sem reabastecer, sem queimar combustível, ele gera sua própria energia e mais 150 MWatts por mol de antimatéria, seu campo eletro-magnético é tão forte que serve de escudo contra partículas em alta-velocidade e ao mesmo tempo cria uma gravidade artificial no plano equatorial da rosquinha, como é carinhosamente conhecido, tanto em cima quanto em baixo, ou seja, uma pessoa pode ficar em pé acima do núcleo e outra pessoa fica em pé de ponta cabeça, na parte de baixo, por isso fizemos a nave em formato de disco, como dois pratos de sopa com a boca se beijando - Os repórteres se entreolharam pensando "esse cara não sai muito, né?" - enfim, acho que isso é o básico. perguntas?

 - Professor, como a nave se movimenta?

- Bem lembrado, eu esqueci de dizer, tem razão. - O professor começa a murmurar algo para si mesmo, como se estivesse fazendo anotações mentais gesticulando com as mãos como se estivesse apagando e escrevendo algo em uma lousa imaginária, uma cena que mereceu muitas fotos, mas não seriam publicadas, apenas uma piada interna entre os fotógrafos. - Bom, é isso, estamos todos de acordo. - Ele está de acordo com quem? Agora a pouco estava falando sozinho. Muito estranho - Se vocês puderem imaginar uma barra retangular de ímã, por favor. Me desculpem, eu não trouxe nenhum auxílio visual, acho que me esqueci de novo.

Nesse momento a sala toda se levanta desesperada - Não, não professor, tá tudo bem, não precisa, pode continuar, pelo amor dos deuses. - disse um repórter apoiado de seus colegas temendo outra lousa imaginária.

 - Ok, então o campo magnético desse Ímã retangular sai do pólo norte, se curva lateralmente e retorna pelo pólo sul, correto? Mas no reator de rosquinha - Toda vez que o professor fala rosquinha, alguns estômagos roncam na platéia entediada - o pólo norte e sul não é definido, pois eles giram axialmente. A resultante do giro é que no centro do furo surge uma força, como se fosse, sei lá, tipo uma roda de bicicleta girando, um giroscópio, só que mais complexo que isso. A força, como diria Platão, tem direção e sentido, ela começa em A e termina em B. No nosso caso, nós direcionamos essa força para baixo, e o resultado é que o reator sobe, voa, para cima, ignorando completamente a gravidade, fica mais leve, só que pesado. O que quero dizer, é que não temos certeza absoluta como o motor voa, mas voa. Uma teoria diz que a gravidade dobra o espaço, e a nave cai no buraco, e se o buraco anda pra frente a gente cai para frente. Outra teoria diz que nós sintonizamos a "frequência" (fala devagar mexendo os dedos em aspas) do centro da galáxia puxando ou repelindo, e navegamos como um barco no oceano, só que o oceano é 2d e o espaço 3d, tipo assim. (faz gestos incompreensíveis)

Com medo de prolongar mais o sofrimento, os repórteres se dão por satisfeitos e se retiram, após uma breve salva de palmas. - Quem paga as rosquinhas? - grita um deles, provocando o riso de todos. Todos, exceto um, sempre no seu terno marrom, sua presença discreta observa tudo com atenção. Em seus pensamentos, um filme passa em loop, o Capitão grita, todos caídos no chão, muita fumaça, faíscas, o Comandante pula para tentar tirar a arma do Capitão, ele faz a mira no reator, BANG. Seria perfeito, a missão fracassada, os cientistas desacreditados, o poder do Olho de Hórus von Osíris crescendo para salvar o povo das mentiras científicas. Se o homem do terno marrom fosse capaz de sorrir, essa seria a hora.