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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Fantasmas de Marte - Capítulo 7

SEGREDOS

No bar azul, palco de danças e musicais, as meninas aproveitam um espetáculo raro na vida de um camponês.

 - Anuket, vamos no banheiro?

 - De novo? Chega de beber mosto, Anúbis. Aqui eles fazem puro, fica muito doce.

 - Por isso mesmo. Em casa o mosto é meio salgado por causa da água do rio. Esse é melhor do que eu tinha imaginado. Mas ele desce direto, e me deixa ansiosa. Vamos no banheiro e depois vamos achar alguma coisa pra fazer. Vamos!  - Anúbis agarra Anuket e entra no banheiro. Lá dentro, as meninas inocentes entram as duas no mesmo biombo e fecham a porta. Em seguida entram duas mulheres, conversando alto, um pouco embriagadas, se olham no espelho para pentear os cabelos. Anuket só consegue ver as suas botas de crocodilo, semelhantes as botas de Bastet.

 - Então amiga, tá chegando mais um leilão aí. Hora de faturar alto.

 - Hora de faturar ponto. Quem fica com tudo é Dona Sekhmet. Nós só recebemos presentinhos.

 - Você é uma fresca que só sabe reclamar. Nós somos guardas de uma força respeitada e temida. Nós somos privilegiadas. Ás vezes, só às vezes, eu tenho um pouco de pena das meninas que nós vendemos.

- Ah, cala a boca, sua bêbada. Nosso trabalho é o melhor! Todo mundo sai ganhando. O nobre ganha uma escrava. Dona Sekhmet ganha riqueza e poder. As servas ganham a vida luxuosa do palácio aos pés dos deuses, ao invés de ficar cortando cevada e ordenhando cabra o dia todo. E nós, ganhamos presentes. HAHAHA

- Pera aí? Você não estava reclamando dos presentes agora pouco?

 - Eu não, sua louca! Eu adoro ganhar presente. Mas Dona Sekhmet tem potes e mais potes de mel, e ela só me deu uma colherinha. E quando eu pedi o pote ela me olhou como se eu fosse uma cadela faminta.

 - Você é uma cadela faminta, por isso eu gosto de você. Eu odeio gatos. Hhahahaa

As duas supostas guardas saíram rindo e cambaleando. Anúbis, como sempre, olhar parado, boca aberta e sem entender nada. Anuket por outro lado, de olhar parado, boca aberta, paralisada de medo, tentava organizar sua mente para fazer algum sentido daquilo tudo. "Então é verdade. Não só os nobres possuem as servas do festival, mas tem até uma organização de mulheres que facilitam o trabalho." concluiu a brilhante jovem. Uma imagem mental começa a se fazer de Dona Sekhmet, uma mulher poderosa e sem escrúpulos, que venderia a própria alma a Hefesto se este fizesse um recibo.

O pânico começa a lhe dominar a imaginação, ela vê em sua mente uma jovem acorrentada pelos pés sendo espancada por um nobre risonho, assim como foi com Bastet. Isso não poderia acontecer, não com ela, não com a esposa de um mensageiro real, e portadora de passaporte. O Passaporte! Suas pequenas mãos procuram rapidamente segurar o medalhão em busca de um alívio temporário. Mas e como ficaria no leilão? As guardas com certeza lhe tirariam o passaporte, como qualquer outra serva comum. Talvez, se houvesse um lugar seguro para guardar o passaporte, e no momento certo ele aparecesse, tudo ficaria bem. Mas onde? E em quem confiar? Talvez houvesse alguém alí de bom coração, talvez Bastet? Não, mesmo Bastet sendo uma ex-escrava, ela não trairia a confiança de sua mestra. "Preciso conhecer mais pessoas, talvez alguém me ajude mesmo sem saber." pensou ela.

Sem conhecer os mecanismos legais do leilão, seu plano fracassaria. Primeiro, era preciso encontrar um presente digno de Dona Sekhmet, assim lhe seria permitido conversar com ela. Segundo, deveria fazer amizade com os inimigos de Dona Sekhmet, alguém que estivesse descontente, assim como a guarda sem mel. Então, Anuket esconderia o passaporte dentro de alguma coisa, e esse objeto deveria ser entregue no momento preciso do leilão, surpreendendo a todos, e libertando-a das obrigações legais. Não seria fácil. Tudo deveria funcionar perfeitamente, não tem espaço para planos B aqui. Talvez, talvez os homens desse lugar pudessem servir para alguma coisa além de beber e brigar. Ela sabia que era linda, e sabia que poderia usar de sedução a seu favor, escapando no último minuto da luxúria alheia. A possibilidade de sucesso lhe devolve a vida aos seus lindos olhos cor de caramelo, e ela sorri por um momento, até ser lembrada de onde estava.

 - Pfiiiiii.

 - AH ANÚBIS ! PELO AMOR DE RÁ, VOCÊ COMEU UM RATO MORTO DO LIXO SECO AO SOL?

 - Me escapuliu. Foi sem querer querendo!

 - Vamos sair daqui. Temos que encontrar mais pessoas. Alguém aqui nesse lugar sabe me explicar o que está acontecendo.


REVELAÇÕES

 - Doutora Perséfone, Sr. Hades está acordando. Eu vou tentar conversar com ele mas acho que vai ser difícil acalmá-lo. Entenda, talvez ele desconte a raiva em você. Seja forte.

 - Eu entendo Comandante. Eu devo pedir desculpas a ele também. No fundo do coração eu sempre soube que isso aconteceria, mas não fiz nada para impedir.

 - Bom, isso é bom. Se ele te ver como vítima da situação também, será mais fácil. Lembre-se de uma coisa: Ele é filho de Hera, a vingança é necessária para restaurar a honra deles, MAS, eu PRECISO que esta missão funcione direito, e preciso de todos fazendo o seu trabalho. Faça ele entender isso.

 - Eu quero o Sr. Hypnossono comigo.

 - Não acho boa idéia agora. É preciso uma mente aberta para aceitar novas verdades, e a dor da traição atrapalha o raciocínio. Vamos devagar.

Comandante e Perséfone seguem da estufa para o consultório, passando pelo Capitão no corredor.

 - Capitão. Como vai?

 - Todos os sistemas operacionais, Senhor. - Bate o pé no chão e estufa o peito, olhando para frente.

 - Haha, não Capitão, eu não estou de serviço agora. Eu quis dizer como vai o senhor? Podemos jantar juntos e conversar mais tarde?

 - Si - sim, senhor. Como quiser. - O Capitão tenta esconder o nervosismo. "Será que o filhinho do presidente está sabendo do meu plano? Não pode ser, ele não sabe de nada. Será?" pensa o capitão.

Já na enfermaria, Hades acorda tentando tirar a sonda da garganta. Perséfone rapidamente aplica a anestesia spray e puxa o longo tubo com delicadeza. Comandante se senta ao lado da cama e retira os fios elétricos do monitor, desligando os milhares de alarmes ensurdecedores.

 - Senhor Plutão von Hades, que bom te ver de novo.

 - Por favor, Comandante. Eu gostaria de não mais usar meu nome latino. Meu verdadeiro nome é Muhhamad Ali. Eu me lembro do alarme de incêndio, depois me lembro de uma sombra passando por uma porta de luz.

 - Provavelmente era eu. Veja meus ouvidos. Doutora Perséfone teve de restaurar meus tímpanos, e as suas orelhas também, infelizmente elas ficaram pretas e foram substituídas por essas sintéticas. Doutora, eu acho que você errou nas medidas, essas são menores. haha.

 - Pára, Comandante. Estão perfeitas.

 - Então acho que devo ser grato ao senhor por ainda estar vivo, comandante. Obrigado.

 - Não me agradeça ainda, Sr. Ali. Temos de acertar as contas para não sobrar troco, se é que o Senhor me entende.

Nesse momento, Muhhamad olha nos olhos de Perséfone que não consegue segurar as lágrimas, e tenta estender a mão fraca para tocá-la no rosto. Perséfone reconhece o esforço e completa o gesto, levando seu rosto até as mãos geladas. Ele fica alguns minutos em contemplação, pensando. O Comandante aguarda pacientemente. Então, finalmente:

 - Comandante. Eu nasci próximo ao lugar da sua história, onde o senhor ganhou sua pedra. Eu conheço aquela gente, mas tive a graça de Hera de sair daquele inferno muito jovem, e absorvi muito pouca coisa daquela loucura. Meus pais foram mortos fugindo da guerra para me dar um futuro melhor. Eu sempre fiz a minha parte, mas a guerra sempre encontra um maneira de me achar, até aqui no espaço. Qualquer um no meu lugar diria que esta seria uma boa hora para parar de fugir e dar o troco com toda a vingança que me é de direito, não concorda?

 - Sim, mas...

 - Mas, permita-me continuar. Eu também tenho uma história para contar a vocês dois. Eu tinha um amigo, também fugitivo da guerra. O nome dele era Osama. Ele era muito legal, divertido alegre. E a família dele deixou muito dinheiro. Nós sempre andávamos juntos, sendo adolescentes normais. Um dia, nós estávamos em um bar, assistindo a televisão, e vimos uma reportagem sobre a capital financeira do mundo, a cidade mais rica, Athenas. Quando a câmera mostrou seus prédios mais altos, símbolo de seu poder político e econômico, Osama riu e fez um barulho com a boca:" BUM". Eu não tinha entendido na hora, então eu ri também. Dias depois, ele foi ficando cada vez mais sério e preocupado, conversando com umas pessoas que eu nunca tinha visto na vida, e me deixando de fora das reuniões secretas. Aquilo foi ficando chato, e um dia perguntei o que era aquilo tudo. Ele disse: "Os infiéis vivem uma vida no paraíso construído sobre o sangue e as lágrimas do cadáver do nosso povo. Eu quero lembrá-los disso. ". Dias depois houve o atentado a Athenas, e o resto vocês já sabem. Mas a parte que mais me perturbou é que meu amigo não queria mudar o mundo, e não queria fazer o bem a ninguém. A única coisa que ele queria era vingança, e mais nada. Só empatar o placar, como se a vida fosse sómente um jogo. Eu me decidi nesse dia a não jogar esse jogo. Vingança só gera mais vingança. A verdadeira vitória está em fazer um bem tão grande ao seu inimigo que ele não tem como lhe retribuir. Você fez isso por mim, comandante, salvou minha vida e eu não posso lhe retribuir. Você também Jade, depois que te conheci, sinto que você me salvou de uma vida de guerra e vingança. Eu só penso em maneiras de lhe retribuir todos os bons sentimentos que você me dá.

 - Com licença, será que eu posso entrar? Espero não estar incomodando? - diz Doutor Hypnossono entrando pelo consultório de maneria discreta. Sua presença e seu sorriso sempre iluminam o ambiente.

 - Por favor Doutor, entre. Eu já estava de saída, (tosse).  - Diz alegre o convalescido, causando risos em todos.

 - Eu trouxe um presente desejando melhoras. Uma caixa de bombom, e um livrinho com frases de sabedoria, que servem para animar o espírito.

 - Que fofo Doutor! Por favor, leia uma frase para nós. - Perséfone se anima, pois era a intenção dela desde o começo que Muhhamad e Hypnossono conversassem. A esperança da moça divida entre o amante e o pai era que através dos ensinamentos neutros do doutor oráculo, os três pudessem chegar em um consenso de paz e convivência em harmonia.

 - " A rigor, sombra ou luz são estados de tua própria alma. Alegria ou tristeza emergem do teu interior. Toda criatura encerra consigo um poder transformador. O teu sorriso é luz que acendes na face, iluminando a Vida. Alivia o teu coração do peso de toda a mágoa. Experimenta sentir contigo a leveza do perdão. "

 - " Não vibres negativamente contra os teus semelhantes. Nem te regozijes com o fracasso de teus desafetos. O coração mais endurecido não resiste a um gesto de ternura. Aproxima-te dos que se distanciam de ti, sem colaborares para que a distância se faça ainda maior. Se da parte dos outros pode haver descaso, da tua pode existir indiferença. Muitos tem inimigos, porque fazem questão de tê-los." ( Dias Melhores - Carlos A. Baccelli / irmão José - Editora Leepp)

As sábias e surpreendentemente apropriadas palavras provocaram um ataque de risos e choro em Perséfone, que agarra Muhhamad pelo braço meio desajeitada, provocando dores no coitado. Comandante não fica surpreso, afinal, quem mais poderia aparecer sem ser chamado e dizer as palavras certas na hora certa? Tão discretamente quanto apareceu, o Doutor se vai deixando seus presentes, o livrinho e o ambiente leve e alegre. Mas tem uma coisa fora do lugar aqui.

 - Quem é Jade?

 - O que? - Pergunta Muhhamad sem entender.

 - Na sua história, você estava falando com Perséfone mas disse Jade. Não adianta desmentir, ela ouviu também.

 - Ah, não começa com fuxico não, Comandante. Seu fofoqueiro. Jade sou eu mesma, é o nome sírico para "moça bonita de olhos verdes".

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